Reinações Múltiplas: maio 2010
ATENÇÃO: Este blog é pessoal e não profissional

SUBÚRBIOS DO INCONSCIENTE II




Por Fran Freire

Às vezes, a revelação divina significa simplesmente adaptar seu cérebro para escutar o que seu coração já sabe.
Dan Brown

Parte 1
Subi as escadas correndo, era óbvio que a essa altura Nani estava no apartamento. Por que logo hoje? Por que nesse estado? Tenho certeza que a fumaça vem de lá e tenho ainda mais certeza que minha amiga não vai conseguir sair. Ela está chapada, como sempre, mais uma vez. Preciso correr, preciso salvar Nani.

XX

Era impossível passar por aquela barreira de bombeiros.
-Moça, afaste-se. É perigoso ficar aqui.
-MINHA AMIGA ESTÁ LÁ! ELA ESTÁ PRESA, SAIA DA MINHA FRENTE, EU VOU ATÉ LÁ!
-Moça, fique calma, nós cuidaremos disso.

Eu sabia que não cuidariam. A porta era 10 vezes mais pesada que o normal, Nani não tinha nem chances de sair, porque há essa hora o teto de madeira devia ter desabado em frente à porta. Pior, e se Nani estivesse embaixo dos destroços? Não, não podia ser, ela devia estar no banheiro, como sempre. Droga! Eu devia ter tirado a porcaria de chave da mão dela. Filha da puta, nunca me escuta! É bom praquela cadela do caralho. Pensando bem, porque eu estou aqui desesperada tentando passar por esses imbecis? Vou dar a volta e entrar pela garagem. Óbvio, como não pensei nisso? Estou com medo de perdê-la, só pode ser isso.

XX

Nani estava entre os feridos, com o corpo coberto de sangue. As mãos estavam cheias de feridas, parecia que bichos haviam comido pedaços de seu corpo. O céu estava negro e ela delirava, falando palavras loucas, enquanto o sangue escorria de sua boca. Fiquei com muito medo de me aproximar, eu não tenho poderes para isso. Não sei se consigo dar conta de ver minha melhor amiga, minha irmã, minha amante, morrer.

-Jack... Jack... Jack...
Ela estava delirando, falava sussurradamente, como se sentisse prazer em dizer aquele nome. Aquele cachorro, aquele crápula, aquele bruto. Como pode? Como pode incendiar o coração de minha melhor amiga assim? Como pode acabar com ela dessa maneira? Eu a amava. Será que ele não percebia? Desgraçado, cretino, cachorro, assassino!

XX

-Culpado. O réu é considerado culpado.
-NÃO! NÃO FOI ELA, NÃO FOI RACHEL, FOI ELE, ESSE DESGRAÇADO. JACK É O ASSASSINO, JACK É O ASSASSINO. JACK É O ASSASSINO!!!

Parte 2

-Nani. Nani, acorda. NANI!
-ASSASSINO!
-Nani, calma! Está tudo bem, eu estou aqui amiga. Calma.
-Rach? Rachel é você. Me abrace forte Rachel, não me solte, não me deixe.
-Calma Nani, eu estou aqui amiga. Calma.

Rachel e Nani são colegas de faculdade. Dividem o quarto desde o primeiro ano, quando se tornaram inseparáveis, ao perceber que ambas eram fãs de classic rock e Supernatural. Gostavam de esbanjar estilo pelo campus, na Florida.

Mas você deve se perguntar que porra é aquela da parte 1, não leitora? Bem, é que há algumas semanas Nani vinha tendo o mesmo sonho. O imenso e repetitivo sonho, sem nexo. Primeiro ela estava nos pensamentos da amiga, depois passeava pelas escadas de um apartamento, como se fosse Rachel e subia para salvar a si mesma. Mas era tarde, porque, de repente, se via em uma rua escura, gritando e delirando, chamando pelo nome de Jack, enquanto seu corpo ferido sangrava.

As alucinações de Nani eram frequentes quando a garota era pequena, mas havia anos, desde que começou as seções de psiquiatria e desde que lhe receitaram fortes remédios de tarja preta, que ela não tinha os delírios com tanta intensidade. Infelizmente, não havia nada que sua amiga Rachel pudesse fazer, a não ser tirar da vida de Nani aquele namorado imbecil que dava tanta dor de cabeça para a amiga querida, mas isso seria impossível.

No campus todos gostavam de Jack. Ele era o cara popular, esperto, extrovertido e bonito. Não, muito, muito bonito. O sorriso impecável, a voz grossa, as mãos quentes, a pegada firme, o sistema bruto. Típico texano, gostoso e tesudo. Fazia sexo como ninguém e disso Nani sabia. Nunca, nunca havia sido tão bom. Ele goza diferente, dizia ela à amiga.

-Como assim “goza diferente”? Isso não existe sua louca – elas riam
-Não existe para você sua cabaça sem noção. Mas com o Jack, eu garanto. É tudo, tudo diferente.
-Para você qualquer um que tenha um pinto de cabeça dura é a oitava maravilha do mundo, né sua puta!
-Cala a boca vaca fedorenta. – elas riam o triplo, fazendo guerra de travesseiro.

Desde que conheceu Nani, Jack se apaixonou. Foi uma paixão diferente. Com muito tesão e poucos bons modos, do tipo de paixão que você deve adorar, não é leitora safada? Mas a menina, que tinha uma história de vida horrível, com histórico de pai preso por pedofilia, mãe assassinada pelo tio a queima roupa e avó drogada, não fazia muita distinção entre estar com Jack ou outro cara, mas ele “gozava diferente” e, isso era o que bastava para que namorassem.

Em compensação, Rachel parecia morrer de ciúmes, não de Nina, mas de Jack. Ela tinha certa propensão a ser lésbica e tinha certeza disso, mas não contava a ninguém, apenas curtia os seus dedinhos no banheiro, imaginando corpos esculturais como o de Jessica Alba passeando por seu corpo, além de línguas femininas adentrando famintamente a sua xoxotinha. Que coisa estranha, não leitora hétero? Isso pode não soar bem, mas os loucos tem lá suas manias e isso a deixava muito excitada, acredite.

-Rach, posso entrar?
-Porra Nani, se você pudesse entrar A PORTA NÃO TAVA TRANCADA.
-Calma sua esclerosada!
-Eu estou me masturbando, quer entrar e terminar o serviço, é isso?
-Ui que nojenta! Vou ver o Jack, ok? Já volto amore.

Naquele dia Rachel se sentia diferente. Talvez fossem os pesadelos da amiga que estivessem lhe abalando. Todas as noites aquela mesma merda: Nani virando de um lado para o outro e acordando aos berros: “JACK É CULPADO! JACK ASSASSINO!”, que porra era aquela? Com certeza alguma coisa estava acontecendo e era dever de Rach defender a amiga, não importava como.

Parte 3

-Oi amor.
Não havia diálogo entre os dois. E você leitora safada, vai adorar o que rolou naquele cumprimento apaixonado. Bem, é que Jack deu um beijo em Nani, desceu a mão em sua bunda a apertou bem forte, fazendo a garota gemer. Os olhos dela fechados, os dentes dele em seu pescoço, a mão dela no pênis ereto, os corpos colados, jogaram-se na cama.

-Oi princesa.
Um sorriso erótico, um olhar mortífero, as bocas coladas. Ele desabotoava a blusa dela lentamente, enquanto a língua dela passeava em sua boca, aumentando o desejo que sentiam. Ele queria que fosse diferente, precisava fazer acontecer, mas como? Já haviam feito tudo o que era possível, ou não?

Gemidos, gritos. Gritos, gemidos. Rachel estava atrás da porta ouvindo tudo o que se passava lá dentro. Eu preciso entrar, não sabia porque, mas alguma coisa estava errada. Ela tinha certeza. Um ultimo gemido. Pareciam ter atingido o ponto ‘Y’.

-Nani. – uma pausa, ele a chacoalhava e sorria. – Nani! – outra pausa – Nani, não está tendo mais graça! – ele franziu o cenho, parecia preocupado. Deu um tapa no rosto dela. Arregalou os olhos – NANI!

Rachel abriu a porta com uma super força que não reconheceu, olhou espantada para Jack. Ele respondeu mexendo negativamente a cabeça: A culpa não foi minha. Pulou a janela de cueca, o quarto estava em chamas, Nani estava no meio da cama, nua. Ao seu redor instrumentos de tortura utilizados na Era medieval. Os dedos dela presos em cima da cabeça. O corpo machucado, a boca sangrando. Rachel chorava, precisava apagar o fogo, mas como? Simplesmente abraçou a amiga. De repente, um barulho estrondoso, Rachel estava debruçada sobre Nina, os bombeiros haviam chego tarde demais. As duas estavam mortas.

Rachel Lunchy morreu em 30 de setembro de 2009, aos 20 anos, em um sanatório do Texas. Havia dois anos que estava na casa de reabilitação mental, internada pela avó. Rachel não tinha outros parentes próximos e nunca havia saído do Texas. A avó conta que a neta tinha o sonho de ser bombeiro, como seu pai. Rachel não teve oportunidade de se formar no Ensino Médio, pois seus professores tinham dificuldade em contê-la na classe. Ela usava entorpecentes desde os 12 anos de idade. A senhora Lunchy, avó de Rachel, declarou que a neta usava sua imaginação excessivamente produtiva, pintando e criando histórias o tempo todo, talvez pelo número de drogas que ingeria, ou por talento nato. Rachel conversava sozinha, parecia falar com pessoas imaginárias, alguém a quem chamava leitora. Ela foi encontrada morta no sanatório, após ser escrotamente violentada por um ex- funcionário do prédio, o Senhor Jack Houns. Algumas enfermeiras alegam que Rachel falava constantemente o nome do ex-funcionário, que por sinal, aparece em suas criações artísticas, mas Rachel não o conhecia. As histórias de Rachel Lunchy desapareceram em Janeiro desse ano. Essa é a segunda carta encontrada, as quais especialistas acreditam tratarem-se de histórias do presságio de morte de Rachel.