Reinações Múltiplas: setembro 2010
ATENÇÃO: Este blog é pessoal e não profissional

Capítulo 6 – Era uma vez uma linda menina...

O paraíso existia na Terra, Carol estava certa disso. Todos os seus planos estavam dando certo, sem dúvidas estavam. O filme sairia perfeito, em breve o lançamento do longa com o Angel’s, os contratos de patrocínio e seus projetos culturais estavam de vento em popa; As reuniões de um possível filme no Brasil estavam para acontecer, a família já havia sido visitada, os amigos revistos, na próxima semana Anne passaria alguns dias com ela e o melhor, já tinha visto, ouvido e, OMG, “beijado” o Cabal.

Ela não acreditava, estava histérica em casa, dançando suas músicas favoritas no último volume, só de calcinha e baby lock, como ela adorava. Nessas horas Richard ficava lá nos fundos, Claire o avisava para não entrar, não gostava que seu marido se sentisse constrangido e achava muito engraçado ver Carol pulando e rodopiando com a escova de cabelo na mão, feliz da vida.

Havia conhecido sua patroa muito triste e infeliz, naquele dia marcante na casa do patrão-mor, o senhor 50. Era muito complicado conviver com ele, mas quando ela chegou na casa, foi como se uma tempestade passasse e lavasse tudo o que havia de ruim, dando uma oportunidade de recomeço.

Ninguém sabia que 50 e Carol passavam horas conversando ao invés de fazer sexo. Eles não faziam questão de desmentir as especulações, porque se amavam muito e porque nem sempre conversavam, às vezes o prazer rolava solto mesmo. Carol chamava 50 de boss e ele a chamava de princess. Eram grandes amigos, tanto que o celular de Carol estava com 5 ligações e 7 mensagens dele, por simplesmente ter amanhecido e ela ainda não ter ligado. Não conseguiam mais se separar.

Ela não havia se aproveitado de 50 em nada, tinha sua consciência limpa. Tudo que ganhara era com trabalho, com talento. É claro que os contatos vieram dele, de sua proteção, de seu dinheiro, mas ela não deixava por menos. Investiu em assuntos sérios, deu ideias, ajudou em produções, atuou brilhantemente e se esforçou bastante para que os amigos de 50 deixassem de vê-la como aproveitadora. Com Eminem foi em vão, é claro, mas nem ela nem 50 ligavam. Estava escrito que era pra ser assim.

Depois de três meses na casa de 50, Carol teve um breve relacionamento com Ja Rule e isso desagradava muito ao rapper loiro de plantão. Eminem não conseguia admitir que aquela “brasileirinha de quinta” explorasse seu amigo, transasse com um loser naquela casa e ainda se atrevesse a dar aulas para sua filha. Foi um parto convencê-lo de que Carol era confiável e, mesmo assim, ele nunca acreditou realmente.

O que sempre foi relevante para Carol era sua história com Cabal. Ela podia sentir que eram feitos um para o outro. Ela o 3 ele o 4. Ele precisaria dela, como um suporte, um tripé, algo assim. Ela não sabia porque, mas o que importava era seu pressentimento e os sonhos que tinha desde adolescente, quando foi morar com 50 teve certeza. Carol e Cabal tinham muito em comum, ao menos naquela mente insana que ela carregava.

Via a relação como uma pirâmide que tem três lados triplos e na base os quatro lados de sustentação. Assim era com ela, sentia-se completa em pensar que poderia ser Cabal a última peça do quebra-cabeças, principalmente quando descobriu todo o poder que ela poderia exercer sobre seus destinos. Isso a deixava cada vez mais ligada e apaixonada. Era um produto de sua obsessão, Carol sabia disso. Mas, ainda assim, precisava ir até o fim.

Carol acreditava em ligações do espírito, em aproximações do destino, mas era um pouco ansiosa e por isso fazia as coisas sem pensar. Embora acreditasse que, dessa vez, tudo seria diferente e perfeito, pois ela estava planejando o encontro dos sonhos. Tudo seria mágico, ela sabia.

Queria ser a Cinderela com seu príncipe, como todas as garotas apaixonadas, mas também tinha o seu lado de pantera, de felina a caça e, por isso, via Cabal ora como o príncipe encantado perfeito, ora como a presa fatal a ser caçada. Ele tinha algo que chamava sua atenção, tinha uma presença também, agora ela sabia. E olhando aquelas esmeraldas maravilhosas que revestiam a jóia que programava entregar em duas semanas, lembrava dos olhos verdes dele, do perfume aconchegante e forte.

Sorria feliz com a conquista daquela noite, ele devia ter pensado nela por pelo menos mais 10 min, até receber a notícia do cachê e toda a organização que ela mesma fez questão de preparar, queria que ele visse a transparência nas ações do evento produzido, embora não houvesse nenhuma. Aquela ideia de contratá-lo sem que ele soubesse quem era o contratante deixava o jogo mais emocionante, certamente devia tê-lo intrigado um pouquinho.

Thaíde era um outro presente, com certeza. Que pessoa especial, ela sentia que nele estava à essência do rap nacional e por isso queria vê-lo no topo. Era realmente sua fã. E ela faria o que estivesse em seu alcance para ajudar aqueles artistas que amava e em quem acreditava. Sentia-se feliz porque 50 lucrava e os seus queridos rappers brasileiros também, mas sentia-se ainda mais feliz por ter a vida deles diante de seus olhos.

Carol guardou novamente a joia na gaveta, respondeu as mensagens e chamou 50 no rádio. Ele estava preocupado, perguntou detalhes da noite, ela contou tudo com muita empolgação e ele ouviu atento, mas deixou claro que se algo acontecesse de errado ela deveria ligar imediatamente e ele a arrastaria de volta a América, não sem antes dar uma boa lição em quem mexesse com ela, é claro. Ela riu despreocupada, nada de errado aconteceria. Tinha certeza.

50 sabia que Carol amava muito seu país e sonhava em fazer um diferencial, mudar muita coisa, afinal a sua professorinha de português era uma idealista. No início foi estranho para ele aceitar que estava apaixonado por ela, mas com o tempo percebeu que era um amor diferente. Ela tinha algo que fazia as pessoas sentirem-se presas e livres ao mesmo tempo. Não podia tirar os olhos dela e não queria que isso acontecesse. Então lhe ofereceu o mundo, mostrou-lhe o seu universo e fez dela parte integrante de tudo o que o cercava.

Ele ria sozinho pensando aonde tinha parado seu juízo por “adotar” uma mulher feita. Fazia os gostos dela, que eram poucos, baratos, sem graça. Carol não tinha ambição em usar o dinheiro dele, como as outras mulheres que tinha. Não, Carol queria trabalhar e conquistar. Aceitou ficar na mansão por algum tempo, no início, em troca de ajudar na arrumação da casa, depois aceitou o apartamento que ele havia comprado para ela, em troca de ensinar português para ele, Hailie Jade (filha de Eminem) e todos os seus empregados, duas vezes por semana, durante cinco anos. Nas contas dela, jamais pagaria o apartamento, mesmo com tudo aquilo. Nas contas dele, nada do que ela fizesse seria mais importante do que sua companhia e o prazer de desfrutá-la, tê-la para ele.

Os contatos que tinha gostaram muito de Carol, principalmente os especiais. Logo Carol estava no topo, junto deles. Seria uma questão de tempo até que o Oscar estivesse nas mãos dela, ele tinha certeza. Sonhava em vê-la no tapete vermelho, pois sabia que era o verdadeiro lugar daqueles pés delicados e ágeis. Era o seu presente e entregaria o mundo nas mãos dela, se assim desejasse.

Era uma pessoas especial, que fazia por merecer. Trabalhou duro em suas atuações, dando seu melhor e fazendo com perfeição os papéis que desempenhava, não só porque amava atuar, mas porque queria deixar claro ao que viera. Infelizmente sua imagem se associou a uma aproveitadora, mas eles, seus amigos Richard, Claire e 50, sabiam que Carol não era assim, sabiam que tudo o que ela tinha conquistado era por se esforçar.

Os primeiros salários foram para a família no Brasil, logo já tinha comprado a casa que desejava em Curitiba e então a chácara em Minas. Depois de dois anos já tinha condições de pagar as coisas que consumia no apartamento e Beverly Hills, o condomínio, os impostos e tudo mais. E agora, tinha dinheiro para comprar aquela joia tão linda com um C e um 4 cravados, entre esmeraldas e diamantes, a fim de presentear o homem que ela tanto admirava e talvez amasse.

xXx

“24 horas na cidade que não dorme.”


Thaíde não se aguentava de ansiedade, estava muito feliz. Em uma das primeiras reuniões havia comentado sobre o som de Cabal na boate Pegasus e Carol teve a excelente ideia de pedir a 50 para investir em um show de Thaíde no local também, para lançamento de um novo cd. É claro que Thaíde não aceitou, sem que se rendesse, tinha um orgulho extremo, mas no fim das contas, não tinha como dizer ‘não’ para aquela mulher. Em uma semana, naquela mesma em que conversou com Cabal bebendo uma cerveja e falando de Carol, acertou os detalhes do show na badalada boate. O dele seria um dos três shows de hip hop, que o produtor havia comentado na reunião com Cabal.

Seria um show diferente dos demais, um golpe de marketing. O cd, que sairia originalmente por 15 reais, foi vendido, exclusivamente, em São Paulo, em uma loja de cd’s parceira, por 70 reais. O que vinha junto do cd? Um ingresso para a “Noite Alada” na Pegasus, com Thaíde, DJ Hum, Rappin’Hood e convidados. A ideia foi de Carol, ela sempre teve grandes planos em estratégias de marketing. Thaíde gostou da ideia e em menos de 72 horas mais de mil e quinhentas cópias vendidas, 60 mil visualizações de seu novo single/clipe no Youtube e muita gente indignada por não conseguir comprar o ingresso pela internet ou em outras cidades. Era a influência de 50 cent ou o talento do rapper? Carol tinha absoluta certeza da segunda opção, embora soubesse que ela era a responsável por toda aquela jogada

Estava tudo dando certo, uma semana antes do show de Thaíde teria outro rapper na Pegasus, um cara chamado Túlio Dek. Esse artista Carol não conhecia, nem tinha ajudado a conseguir uma noite na boate, mas percebeu que era amigo dos meninos e resolveu comprar um cd. Talvez ela até fosse no show do cara.

As organizações para a apresentação de Thaíde estavam de vento em popa, Carol queria meter o bedelho, mas achou que já tinha opinado demais, resolveu deixar os meninos numa boa e foi receber a amiga no aeroporto, enfim passaria a tão sonhada semana com sua irmã postiça. Anne e Carol eram amigas desde a adolescência, se gostavam muito, eram mesmo como irmãs, cúmplices de tudo. O que fazia a amizade durar tantos anos era a sinceridade e a cumplicidade.

Anne tinha um propósito maior na viagem de encontro. Não gostava de hiphop, era a típica mulher de negócios e artes requintadas, sem biótipo para homens rimando brutalmente, com roupas de Power Ranger, falando xingamentos no meio de melodias desagradáveis. Nesse aspecto, ela e Carol não tinham a menor relação de entendimento, por isso evitavam tocar no assunto “gosto musical”.

Ainda assim, Anne tinha um astuto ar de preocupação quando ouvia a amiga falar de seus amigos, pois sentia ter algo atrás de toda aquela maravilha paradisíaca, que era a vida de Carol. Preocupada, Anne foi audaciosa e perguntou para a amiga, como não obteve nenhuma informação útil, recorreu a conversar com o brutamontes sem noção, apelido gentil que ela deu a 50 cent.

Conversou com o rapper por telefone, depois de mover o mundo para ser atendida. Anne iria aonde fosse preciso pela amiga, e sabia que 50 faria o mesmo, pois, ainda que os dois não se dessem e Anne achasse toda aquela gente desagradável, tinha certeza de que Carol era muito amada por ele, Claire e Richard, isso a confortava.

Na conversa que teve com 50 naquela semana, sua preocupação foi ao ápice. Carol estava frequentando uma clínica psiquiátrica. Ao que parecia estava tudo bem, mas Anne sabia bem que uma pessoa que está bem não freqüenta uma clínica psiquiátrica nos Estados Unidos. Resolveu deixar tudo e passar uma semana com Carol. Seria discreta e estudaria as atitudes da amiga. Era um passo.

Entre idas e vindas, as garotas só tinham se visto 3 vezes nos últimos anos, em que Carol estava no exterior. Anne trabalhava como jornalista, cobria eventos de moda. Vez ou outra no Rio e São Paulo, mas seu foco era o sul do país. Anne tinha uma casa em Porto Alegre e lá residia desde a época em que Carol havia se mudado para os Estados Unidos.

No aeroporto os rostos eram muitos. Pessoas altas, baixas, gordas, magras, loiras, morenas, ruivas, orientais, havia todo tipo de sangue e a miscigenação era espetacular. O que realmente deixava Carol feliz, ao ver tudo aquilo, era saber que estava em casa. Embora amasse a Califórnia, não havia nada como o Brasil, como sua casa, seu chão e o ar era diferente naquele lugar. Não importava o que falassem. Pessoas caminhavam e ela observava emocionada, quando alguém ao seu lado lhe deu um “click”, uma foto que deve ter registrado os olhos cheios de lágrima da atriz observadora. Era Anne.

Como de costume se cumprimentaram com um grito. Um grito abafado é verdade, mas um grito. Os olhos arregalados e os dedos das mãos, que estavam esticadas, mexendo-se freneticamente, como duas crianças bobas que cresceram assistindo Chiquititas. Se abraçaram e disseram um “amiga”, como se fosse fala ensaiada. Quem assistisse aquela cena com atenção veria que se conheciam há séculos e eram amigas inseparáveis, mas na verdade não se viam muito e o contato era quase que restrito ao digital, isso já havia muito tempo. Por isso, os encontros eram repletos de conversas sobre todas as coisas e passavam rápido demais para que se dessem ao trabalho de perdê-los discutindo, ainda que as opiniões sempre fossem mantidas (cada uma com a sua), gerando ainda mais assunto.

Anne foi para a casa de Carol com sua bolsa personalizada e sua roupa impecável, era como uma Blair Waldorf, imaculável. Na verdade, as duas eram mesmo patricinhas, mas nada mimadas, pois haviam conquistado tudo com esforço. Mas de que adiantaria dizer isso para quem via duas dondocas usando acessórios Louis Vuitton e entrando em uma limusine? Pois é, Carol fez questão de alugar uma para a semana com a amiga, pelo simples fato de que sairiam em uma daquelas noites e beberiam todas as taças de champagne possíveis e imagináveis, falando sobre homens, relacionamentos, sexo, tendências, livros e aquelas coisas todas que costumavam bater papo.

A amiga de Carol estava casada havia um ano, Carol era uma das madrinhas da noiva, deu a ela dois Trench Coat e mobilhou a sala de jantar, com prataria, castiçais e tudo mais que escolheu em uma viagem especial a Itália. Naquela ocasião, 50 também pretendia vir, no entanto, infelizmente, teve um contratempo e Carol veio sozinha, curtir a semana do casamento com a amiga. Foi uma das três ocasiões que se reviram durante o tempo que trabalhavam em países diferentes.

O assunto daquela semana, no entanto, não seria o casamento de Anne. Seria a tão sonhada noite com o Cabal.

-E aí amiga, me conta tudo, rolou alguma coisa? – elas estavam sentadas na área de piscina da casa de Carol, sob a tenda, com sorvetes de morango e chocolate.

-Um selinho.

-Um selinho? Só um selinho? – Anne estava indignada. – como assim?

-Ai amiga, eu não sei como te explicar, acontece que eu tracei a noite número 1 como encontro casual, entende?

-Não acredito que fez “planinho”. Você é louca Carol! – Anne se arrependeu de ter dito, ainda que tenha saído como em uma conversa natural, sentiu o sorvete cortar a garganta, mas ela continuou - Ou anda assistindo muito seriado americano. What the plane, now?

Carol pensou em explicar, mas se ela explicasse, ainda assim, não faria sentido. Só ela sabia o que significava encontrar aquele homem e estar com ele. Só ela entendia as pirações que criava em seu subconsciente, envolvendo letras, números, símbolos. Era como se sua vida estivesse traçada naquelas músicas, naqueles ritmos e poesias, e como se ela soubesse exatamente o que aconteceria, todas as vezes que olhava uma foto dele, ou assistia a um vídeo. Agora que conhecia o olhar dele e havia sentido o perfume forte e envolvente, tinha certeza do que faria. Era uma pena, mas esse detalhe não seria dividido com sua melhor amiga. Não simplesmente por falta de palavras, mas porque a ordem que as envolvia era muito maior.

Passaram a semana fazendo coisas de garotas: compras, shopping, música, livros, mais compras, conversas sobre moda, turismo, bebidas, homens, mais homens. Foi divertido. Anne observava a amiga a olhos estreitos, Carol nem via o tempo passar. Em breve chegaria o esperado show do reencontro e ela estaria lá, com ele.

Capítulo 5 – Pergunta pro Thaíde, ele sabe...


(Flashback on – há duas semanas)

Thaíde não cabia em si de tanta felicidade, era a oportunidade de sua vida. Dirigia com todo o cuidado e ouvia um R&B, empolgado, em seu carro nada popular. Seria o melhor ano de sua vida, ele sabia, estava muito feliz com isso. Já havia algumas semanas que estava viajando entre uma cidade e outra para cuidar de assuntos internacionais.

Uma garota curitibana tinha se dado bem na cena gringa, trabalhava com cinema, sendo bancada pelo 50 cent. No Brasil, o pessoal estava meio desinformado sobre esse assunto, não era a toa que eles eram bastante sucintos. O próprio Thaíde havia descoberto por uma nota curta que leu em um jornal on line de hiphop. Se tornaria um escândalo em pouco tempo: “a garota brasileira que dorme com o 50 cent, em troca de papéis no cinema”. Capa de fofoca na certa. Provavelmente era uma Geyse Arruda da vida, sem talento nenhum que saia por aí com roupinhas curtas, a procura de “oportunidades”. O pior é que, na cagada, encontrou seus 15 minutos.

Não conhecia a garota, não poderia julgá-la, mas no geral, era isso o que acontecia. Garotas exploradoras, mulheres que queriam status e em troca ofereciam sexo. Ele conhecia bem esse tipinho, mas cada um fazia da vida o que queria e o que achava justo, isso não o abalava, desde que não ultrapassasse seu muro.

Essa mulher em especial estava ligada com ele agora. Não sabia porque, mas estava o ajudando. Falou muito bem dele na cena gringa e o rapper “todo poderoso da USA” resolveu dar uma oportunidade para Thaíde trabalhar como produtor musical, no próximo filme da ninfa curitibana. Certamente um capricho dela que 50 queria realizar. Devia ser bem gostosa pra conseguir tudo isso.

Dirigia pensando nisso e nas oportunidades em ter seu nome num filme norte americano, mas principalmente em fazer aquele playlist, com seu estilo, repleto de rap nacional de qualidade. Queria estourar ou, ao menos, chamar atenção no exterior. Não era só a oportunidade dele, era a oportunidade dos seus chapas.

Nesse momento conheceria, finalmente, a tal garota. Parece que seu nome era Carolina. Carolina Magalhães. Um nome forte, pensou ele, devia ser bonita. Acabou lembrando que não pesquisou nada sobre ela, empolgado demais para pensar nesse detalhe, só sabia das notícias antigas, mas já devia fazer uns três anos desde que soube algo sobre a garota, talvez agora fosse mais conhecida pelas revistas de fofoca.

Estacionou o carro e entrou no prédio do hotel, o almoço de reunião só podia ser naquele luxuoso palacete paulistano, é claro. Quanta futilidade. Ele imaginava o perfil dela a cada detalhe que conhecia na organização da produção do filme e sentia-se um pouco incomodado em pensar coisas assim, afinal nem conhecia a garota. Estava se repetindo esse detalhe desde que entrará no carro, mas era inevitável deixar o pensamento voar.

Tirou os óculos de sol e olhou para os lados, procurando um dos colegas de trabalho que já conhecia, avistou um loiro, alto e magro, chamado Eduardo. Era o assistente de direção e estava no salão de espera do hotel, de pé ao lado de uma mulher morena, de cabelos cacheados longos, que usava um vestido jardineira, de tecido aveludado verde escuro, sob uma camisa xadrez, com mangas dobradas, um colar e madeira e uma bota rasteira de cano médio, revelando ser a tão aclamada Carolina Magalhães. “Um estilo interessante”, pensou ele, “bem ao ar sulista”.

Se aproximou com um sorriso, cumprimentou Eduardo e percebeu o sorriso de satisfação de Carol em vê-lo. Ela se levantou, esperando as apresentações, olhava para Thaíde com os olhos analíticos. Depois do cumprimento, Eduardo fez as devidas apresentações.

-Essa é a Carol. Carol, Thaíde. Thaíde, Carol.

Carol se aproximou e Thaíde também, ele com um sorriso gentil disse-lhe “muito prazer” e ela respondeu com a mesma gentileza, que era dela a honra. Thaíde não se sentiu incomodado com ela, ao contrário, os pensamentos que a relacionavam a uma garota interesseira se foram rapidamente, principalmente depois de ver o quanto era linda aquela menina, tinha um ar impressionante, trazia paz e era doce. Ficou sem saber o que pensar, mas queria conhecê-la melhor, certamente.

-Ouvi falar muito bem de você Carol.

-haha, é mesmo? Aposto que foi o Edu, né? – ela abraçou o ombro do amigo, revelando um sorriso sincero de amizade. Estava reluzente e feliz com aquele momento, gostava muito de Thaíde, embora a aproximação fosse para conquistar terreno no hiphop.

-Ele e muitos mais, mas eu quero te agradecer, antes mesmo de começarmos a reunião, pelo seu carinho comigo. Fico gratificado pela lembrança e não sei como pagar a oportunidade. – ele sabe como controlar a fala, sem usar gírias quando era necessário, pensou Carol, que gostou da atitude.

A curitibana olhou para Thaíde com o rosto um pouco mais fechado, percebia que era hora de falar de negócios, e nessas horas ela era extremamente profissional.

-Thaíde, não precisa me agradecer em nada. Você é um excelente MC e eu sei disso há anos, agora que tive oportunidade de trabalhar com alguém que pretende investir em talentos, não poderia esquecer da sua competência. Se quer retribuir, apenas seja você mesmo.

Encantado com a precisão de Carolina, ele agradeceu:

-Muito obrigado. Eu não sei o que dizer. – e não sabia mesmo.

O sorriso voltou e ela segurou a mão de Thaíde, em sinal de cumplicidade, depois soltou-a e convidou-o, juntamente a Eduardo, para se dirigirem ao restaurante do hotel. Lá conversariam sobre os detalhes do filme, Carol lhes mostraria todo o projeto, falaria como aconteceriam as filmagens e reuniões, além de discutir sobre todos os detalhes da produção do filme.

Passaram o dia no hotel e saíram tarde da noite, muito contentes.

(Flash back off)

xXx

“O medo mora perto das ideias loucas.”

A festa deixou-lhe a sensação de ter sido atingido por uma bigorna. Cabal não conseguia se mexer de tanta dor, nunca havia sentido nada assim. Dessa vez acordava em casa e estava sem companhia, a pessoa com quem saiu depois da reunião no camarim havia o levado para lá, pois ele não tinha condições de dirigir, nem, infelizmente, de concretizar seus planos com a bela.

Cabal estava investindo na garota há algum tempo, era um dos motivos de no início ter feito certo “charme” com a morena da festa. “Eu nem sei o nome dela”, pensou lembrando dos acontecimentos. Queria parar para pensar naquele assunto, detestava deixar uma coisa sem resolver e deveria ter resolvido. Agora era provável que não a visse mais e nem sequer tinha um número ou um nome.

Por outro lado, tinha que pensar em assuntos incômodos de qualquer maneira. Algo estava estranho, e foi, inclusive, o maior motivo da bebedeira na noite anterior: a reunião. Ele conhecia o produtor do evento, não havia dúvidas, estava certo de que a oportunidade na boate tinha sido única, mas naquele camarim, muito chique e completamente inimaginável, com frutas e flores, sofás aconchegantes e bebidas caras, ele percebeu que a esmola era demais. O que rolou na reunião foi uma espécie de esclarecimento sobre os detalhes da grana e todas as distribuições de pagamento do contratante, algo que ele não esperava ouvir daquela maneira, muito menos com a sucessão de descobertas que fez. Na verdade, ninguém de sua equipe esperava tantas explicações inúteis e perca de tempo com blá blá blá, no final da festa. Ele ainda lembrava das palavras do produtor do evento, engravatado e de nariz empinado:

Nossa proposita inicial seria trazê-los em cerca de dois ou três anos, assim que a boate estabelecesse certa firmeza de caráter e público, afinal, como vocês sabem, a Pegasus é nova em São Paulo, criada para a elite e não poderíamos arriscar tudo com músicas... nesse estilo, se é que vocês me entendem – Cabal lembrava que nessa hora havia começado a beber, tamanho o ódio que sentiu ao ouvir o disparate do produtor – Mas fomos procurados por alguém interessado em fazer essa noite de hip hop acontecer antes do tempo previsto, e o sucesso é extraordinário. Temos mais duas noites fechadas com esse tipo de música. É claro que não com o preço absurdo de hoje, mas...

A falação continuou, mas Cabal não fazia questão de forçar a memória, pelo simples motivo de ser uma história muito mal contada, que ele não engolia. Primeiro o evento no Resort, depois essa produção? Era demais pra ele, um empresário fantasma que queria lhe dar o paraíso? Isso não existia na sua história, nunca ganhou nada de graça. Se ele tinha o que tinha, era por batalhar e se esforçar até conseguir. Se uma ou duas vezes as coisas vieram fáceis, foram tão fáceis quanto vieram e ele, nesse momento, não estava disposto a deixar os anéis separados dos dedos, por um simples, prudente, básico e ótimo motivo: Maria Clara.

Pensar que tinha uma família, uma filha e uma responsabilidade, mudavam tudo na mente dele. Não poderia se dar ao luxo de perder oportunidades ou de se enforcar em enrascadas, porque precisava fazê-la feliz, criá-la bem, dar-lhe do bom e do melhor, em um lar ainda mais digno do que o que ele teve em sua infância. Um pensamento óbvio, já que ele a amava mais do que, absolutamente, tudo e seria capaz de abrir mão de qualquer coisa por ela.

Depois de pensar na filha, criou forças para levantar e fazer um café, deviam ser três da tarde e ele pretendia ir ao escritório naquele dia, tentar descobrir quem era o tal cara que o contratou. Não queria dívidas com ninguém, sua gratidão era com os conhecidos e com os que lhe apoiavam, não com pessoas que se escondem por trás de dinheiro, tentando comprá-lo.

...na vida a gente colhe o que planta
Então acredita, não dorme, levanta...

Seu celular tocou. Por um momento a mente ficou limpa, ele olhou para o aparelho e pensou na garota da noite passada, tão linda, tão cheirosa, tão gostosa, era uma pena ter ido embora tão rápido, deixando-o como um bobo, sem ao menos um telefone. Balançou a cabeça negativamente, tentando espantar os pensamentos loucos e atendeu o celular. Era o Thaíde.

-Fala aê tio, tudo beleza?

-Beleza irmão e aí?

-Na boa. Escuta, to passando aqui perto, vô dá uma chegada na tua baia, beleza?

-Demorô, chega ae. Levamo um papo, tomamo uma bera. – ou comemos um pãozão recheado, pensou ele morto de fome.

-Fechado, dez minutos to aí.

-Demorô.

Assim que desligou o celular, Cabal foi até a cozinha preparar um café forte e algo para comer, desistiu de preparar, pensava em pedir uma pizza, acabou pedindo esfirras. Queria esquecer aquelas coisas todas, mas sua cabeça martelava, sem deixar que isso acontecesse. Em meio a um lance e outro, que eram como flashs em sua mente, havia um belo par de olhos castanhos, reluzentes, doces. Doce? Não, uma menina má. Pensava ele ao lembrar o selinho desesperado que ambos deram, a mão dele que a tocava nas costas. Costas que levariam a curvas, que levariam a lugares interessantes e que o deixavam louco só de pensar no que havia perdido na noite passada. Não costumava se arrepender das escolhas, mas como, no final das contas, passou a madrugada bêbado e praticamente sozinho...

Fazia alguns meses que investia em sua amiga Leila, era algo novo, ele não pretendia no início, nem ela, mas estavam se aproximando cada vez mais. É claro que antes havia algo de especial, mas era muito mais amizade que qualquer coisa, ele já havia tido esse tipo de relacionamento, não era a primeira vez. No entanto, nesses últimos tempos, queria ter alguém por perto, uma nova namorada, alguma mulher com quem passar os fins de semana, com quem andar por aí, se divertir, viajar e fazer um sexo gostoso, claro. Algo simples assim, e ele pensava ser Leila uma boa opção. Resolveu investir.

Era ela quem estava na noite passada no camarim, esperando por ele para que conversassem, e foi ela quem o levou para casa, depois da súbita bebedeira, isso queria dizer alguma coisa. Talvez Leila gostasse dele, talvez não gostasse como ele queria, mas por que não arriscar? Os dois se davam bem, eram adultos e pagavam suas contas. Tinham um ótimo relacionamento, além amigos e gostos em comum. Em geral, acreditavam que com o tempo daria certo.

Thaíde chegou quando o café acabava de ser preparado, subiu com o cara das esfirras.

-E aí mano – eles se cumprimentaram, Cabal agradeceu ao entregador, deu uma gorjeta e entrou comendo uma esfirra, enquanto oferecia para seu amigo, que não aceitou, por ter acabado de almoçar.

-Senti sua falta ontem lá irmão, o bagulho tava muito loco.

-Porra meu, eu tinha que vir aqui te dar um salve, não teve como eu chegar antes, cheguei na matina, quebrado, fui direto pra casa.

-Susse cara, ta tranquilo, não esquenta. – estava sentado no sofá com o café e as esfirras, perguntou se Thaíde não ia querer mesmo e ele respondeu que não. Thaíde foi até o rádio, era familiarizado com o ambiente, começou a mexer nos mixtapes enquanto conversavam, escolheu um som novo que tinha por lá para ouvir, sem deixar de mexer nos cd’s. – como é que foi sua viagem?

- Nossa cara, foi da hora, sem palavras. Antes de ir pra Minas conheci aquela mina do 50 cent que eu te falei, tá ligado?

-Uhum – murmurou, de boca cheia.

-Então, a mina é mó gente boa, inteligente, profissional e o melhor, gostosa pra caralho – eles riram com o jeito de Thaíde falar.

-Ta pegando a mina?

-Não né, ta louco? Eu não sou suicida pra encostar na mulher do cara meu. Onde se ganha o pão – ele deu uma pausa oscilando a voz, em brincadeira – se ta ligado.

-Ta certo, não se come a carne. – completou - mas é filé mesmo?

-Indústria brasileira. Uma curitibana, muito simpática, cheia de delicadeza, mas é só casca. Quando a mulher se joga na pista, a casa caí geral. Fora que tem uma energia... – ele fez uma cara engraçada, de quem acha uma coisa gostosa e balançou a cabeça, voltando a olhar os cd’s.

-Onde viu ela dançar? Já saiu com ela é? – a boca cheia ainda.

-Meu, não sei se tu já assistiu o filme dela? Tá ligado aquele da deusa lá? Acho que é Maktub, maior sucesso em cartaz ano passado.

-Puts, não vi cara, mas acho que já ouvi falar. É com aqueles caras de Supernatural lá, né?

-Esse aí mesmo. Irmão, cê tinha que ver. Ela é muito gostosa, deixa qualquer um pirado. E tem uma cena do filme novo, que vai lançar daqui uns três-quatro meses, que ela ta dançando enlouquecida. Vê lá no youtube meu, tem lá o trailer. Não lembro o nome do filme, mas se buscar Carolina Magalhães aparece alguma coisa.

-Vô procura, eu não lembro de ter visto essa mina. Eu sei que saiu reportagem e tudo, que ela tava crescendo nas costas do 50, mas sei lá, nem dei bola. – agora Thaíde estava no outro sofá, com uma garrafa de cerveja que tinha pego no frigobar.

-Pois é cara, essa é a questão. Ela fatura pra caralho lá fora, mas aqui nem aparece. Tá crescendo lá, Victoria’s Secret tava querendo ela de Angel até. Ela é amiga de umas top’s da hora, só gostosa. Só que por aqui ela ta na humilde, só trabalhando nos projetos de curta e instituições do sul. Troquei uma ideia com ela, mina da hora. Responsa e gente fina.

-E ela é a mina do cara lá mesmo?

-Meu, se é ou não, não to ligado, que ela não comentou nada disso e eu também não perguntei. Só que não arrisco ali né? Se ta ligado a merda que ia dá. Fora que ela fez minha fita com o cara e eu to nessa com incentivo dela, saca? Gosto pra caralho dessa mina.

-Humm, to sentindo o grau. – eles riram.

-Nem é isso meu. A questão é que a mulher é foda mesmo, não tem como não se dar bem com ela, sei lá. Já trocamos altos papos e deu pra sentir que ela é interessante, não tem como dizer que não é, mas principalmente foda. Tá ligado? Aquele tipo de mulherão que domina, mas faz com jeitinho e... porra, sei lá. Ela é formada, bem informada, curte altos movimentos sociais, é consciente. Só que o estranho é que eu vejo ela mais com olhar protetor, tipo de irmão que quer ver ela crescer e se dar bem, do que com segundas.

-Ihh veio, qui qué isso... Ta virando o disco? No homo aqui em mano!– eles riram. – Não, é massa, massa... Tem mina que é assim mesmo, chega de mansinho e deixa o cara sem chão. – Cabal começava a pensar na morena da festa.

-A parada é que só sei explicar quando ela ta por perto, porque quando a gata ta longe, meu amigo, - ele deu ênfase no “meu amigo” – nem eu sei como me seguro.

Os dois estavam rindo agora, Thaíde contava das peripécias no desenvolvimento do filme e convidou Cabal para compor uma música para o soundtrack. Era tudo muito milimétrico na preparação do conteúdo e a tal garota parecia mesmo interessante, mas o que vinha em sua mente, inexplicavelmente, era a imagem da morena da festa. Até que em um ponto da conversa, quando Thaíde percebeu que Cabal estava no mundo da lua, perguntou o que estava pegando.

-Ontem rolou uma parada engraçada cara. Eu tava na boa curtindo o baile, chegou uma mina gostosa, morena, corpão, toda patricinha e pediu um autógrafo. Eu, na maior boa vontade, dei. (nohomo).

-Lá vem história – ele encheu o copo, agora estavam dividindo uma cerveja.

-Pois é cara, a parada é que a mina, de repente, estava me seduzindo e queria passar a noite comigo. Normal, tem várias assim. Só que ela era diferente, não sei, foi rápido demais e ficou na minha cabeça. Meio que me tirou do ar, na hora em que ela tava vazando e pá. Fiquei de cara. – ele falava olhando para a cerveja, mas com os olhos perdidos, pensamento longe.

-Tremeu na base C4, não te reconheço irmão.

Para os dois foi motivo de piada, Cabal desencanou naquele momento, e concordou com Thaíde: muitas eram assim. Depois que o amigo foi embora, Cabal mandou uma mensagem para Leila, pois sabia que o melhor a fazer era conservar as coisas que pareciam verdadeiras naquele momento, afinal, a história do “empresário fantasma” ainda estava martelando em sua cabeça.

Capítulo 4 – Menina má


Cabal estava preparado. Tinha os amigos ao redor e uma bebida forte na mão. Olhava para as pessoas queridas, aquelas que estavam por perto sempre, e que deixavam-no muito mais seguro na ocasião. Talvez fosse o senso de mostrar quem ele realmente era, que o fazia sentir-se ainda mais corajoso, ou simplesmente a presença de seu time PRO.

Quando chegou à boate percebeu que a noite seria louca. Seus olhos brilharam com a magia do lugar e aproximou-se cumprimentando Chorão, que disse, em uma radiante alegria, não perder aquela casa caindo por nada no mundo. Cabal riu das palavras do amigo, e percebeu que havia muito mais gente importante para ele do que imaginava, ainda que alguns, como Thaíde, que estava viajando, não participassem da ocasião.

Ele olhava os rostos conhecidos e desconhecidos e as histórias passavam em sua mente, relembrando momentos e conquistas. Chegar até ali não tinha sido fácil, enfrentou muito riso, muita fala, muito preconceito... Talvez as lágrimas saíssem facilmente naquele momento, mas ele não deixaria as recordações lhe abalarem, ao contrário, riria junto com os amigos, beijaria muitas mulheres e faria seu melhor show. Porque quem ri por último, ele sabia, ri melhor.

Quando Carol chegou, desacompanhada, em meio aquela multidão, resolveu escolher um lugar em que ele possivelmente a notasse. Precisava ser na pista, claro, mas também em um lugar estratégico para se aproximar de C4 sem muita dificuldade. Quando ela ouviu a música tocando, não conseguiu controlar as emoções, logo estava dançando desesperadamente e mal lembrava dos planos que tinha confabulado em casa. Havia muita gente ao redor e ela sentia a energia ascendendo, enquanto bebia algumas taças de vinho e o calor subia em seu corpo.

A festa estava apenas começando e o corpo da morena já estava enlouquecido, ela sabia que seria uma noite especial. A primeira cantada que recebeu foi acompanhada por um ‘não’, a segunda, a terceira e a quarta, também, até chegar um cara alto, moreno, forte e muito bonito. Depois de curtir a boca de dois ou três caras, ela estava prestes a se deixar levar por outra batida que começava, quando viu ele, passeando entra as pessoas, cumprimentando, sorrindo, com ar predominantemente encantador, feliz pelo show estar sendo um sucesso. Já eram altas horas da madrugada e os olhos dela ficaram fixos, incontestáveis.

De repente, o mundo parou em sua frente. O que ela ia fazer? Seguir em frente e se arriscar ou voltar atrás, para não se machucar? Há um momento em sua vida em que você terá de escolher entre o que aconteceria e o que acontecerá. Esse momento será mais importante do que as demais escolhas de fazer ou não fazer alguma coisa, pois será o momento decisivo, em que vai acontecer ou não. Carol passava por isso bem naquele instante.

Sem saber para onde ir, ela resolveu dançar. “O que for para ser meu, vai ser”, pensou. E para sua sorte, azar ou destino, era a voz do Daddy Kall dizendo que “ela chegava toda linda, toda patricinha”. Seu corpo não resistiu ao ouvir, querendo realmente dançar, mais do que qualquer coisa. E naquele instante ela era a mais linda das mulheres, ainda que fosse apenas o seu subconsciente orgulhoso lhe dizendo isso, pois era assim que se sentia. Naquele momento, teria a qualquer homem que desejasse.

Mil coisas lhe invadiam a cabeça. Era muito bom estar em um lugar em que não lhe reconheciam, sua fama estava se expandindo depressa e ela mal andava por NY sem fotógrafos, mas o Brasil era diferente. O que, todavia, lhe dava vantagens, pois embora o Brasil não lhe conhecesse, ela conhecia o Brasil.

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“Faz você se apaixonar, garota provoca”

Cabal andava entre as pessoas, gostava de ver de perto tudo aquilo. A noite era dividida nos palcos, havia sua vez e a de seu time, por isso resolveu deixar o camarim uns minutos pra curtir com a galera. Muita mulher bonita, muita gata dando moral, muitos corpos dançando... Ele sabia que havia alguma coisa nova no ar, seu instinto e seu espírito estavam diferentes e, embora talvez fossem os goles de cerveja, ele se sentia muito bem com aquilo.

Olhou para os lados, observador como sempre, algumas pessoas o paravam, cumprimentavam, tiravam fotos. Ele viu mulheres interessantíssimas, mas estava prestes a fazer uma proposta noturna para uma velha amiga, então seria embaçado chegar nas gatas. Sem problemas, naquele momento o importante era a oportunidade de estar na aclamada Pegasus. Olhou para o lado de relance e viu uma morena bastante empolgada,ao som de “Toda Patricinha”, sorriu pensando que o mestre Sabotage tinha toda razão ao dizer que mulheres e hip hop... bem isso não era o momento de filosofar com o Sabota, era momento de admirar aquela mulher suculenta dançando sua música. Parou admirado.

Carol foi para o local em que presumiu que Cabal ficaria durante a festa, lá havia mais pretendentes para a gata, parecia que todos queriam a morena. E ela, realmente, estava deslumbrante. Eram muitas mulheres, mas ela sempre teve um brilho especial. “É o meu sorriso”, pensava, “pessoas gostam de ser bem recebidas, bem vistas”. E, admitia para si mesma que esse pensamento era sinal de nervosismo, já que ela não sabia como chamar atenção de Cabal. Considerava a ideia de conseguir aquela casa de shows, com ingressos tão baratos, uma idiotice sem tamanhos que havia feito. Afinal, agora ficava difícil de se aproximar.

Ele estava do lado de uma garota ruiva, muito bonita, trocou umas palavras, em breve seguiria em frente para conversar com algumas pessoas que o esperavam no camarim, teria uma rápida reunião. Não fosse o mulherão que disparou e parou bem em sua frente, com um rosto todo malicioso, mordendo o canto dos lábios, usando roupa preta deliciosamente colada no corpo e uma blusa prata por cima, fazendo-lhe brilhar ainda mais e deixando-o hipnotizado, talvez ele tivesse seguido adiante. Cabal parecia conhecê-la de algum lugar, mas ficou com receio de comentar e parecer uma cantada ruim.

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E o pior é que ela sabe que é a mais gostosa

-Desculpa, eu posso te pedir um autógrafo? – ela voltou a morder o lábio, balançando o corpo como uma criança e ele ainda estava hipnotizado.

-Claro que sim baby, mas eu não tenho caneta aqui – disse desapontado, batendo as mãos nos bolsos.

-Tudo bem, eu trouxe uma – ela falou levemente empolgada, comemorando e ele riu do jeito de menina. Então Carol tirou do bolso uma caneta e um papel.

-Prevenida moça? Hahaha – o som estava bombando e as vozes saiam em tons altos.

-Eu acho que sim - ela tirou o riso do rosto e investiu no olhar firme e penetrante novamente. Só ela tinha aquele poder, sabia disso. Os lábios dela entreabertos, ele desviou os olhos do papel em sua mão e quando olhou para Carol, entregando o papel e dizendo “está aqui”, com um sorriso despreocupado, se deparou com aquele olhar.

Talvez fossem olhos de cigana obliqua e dissimulada, talvez olhos de ressaca, mas ele não era Machado de Assis, então, em sua definição, os olhos eram lânguidos mesmo. Pediam algo que ele daria com muito prazer, mas aquela noite tinha uma dona, ele já havia decidido isso e não voltaria atrás.

-Se não for – ela esticou a mão para pegar o papel e deu uma pausa na fala, dando ênfase a palavra seguinte – abusar, poderia dar um beijo no seu rosto?

Ele sentiu o corpo todo esquentar, era nítido que ela pretendia seduzi-lo, mas estavam-no esperando e seria um imbecil em deixar alguém que conhecia por uma completa desconhecida, embora a ideia de desvendar aquela desconhecida acabasse de lhe surgir ao olhar a boca, aparentemente macia e, certamente, carnuda, da morena.

-Haha, claro que sim linda. – ele riu sem saber se achava graça ou se estava nervoso. Sentia que responderia ‘sim’ a todas as perguntas que aquela deusa fizesse.

Carol se aproximou, colocou uma das mãos em um toque suave do lado esquerdo da face de C4 e, no lado direito, deu um beijo com carinho. O coração dela batia efervescido, louco, devastador. Sentia-se como uma manteiga se derretendo naquele simples toque, quente. Muito quente. Pretendia deixar de bancar a boazinha, sem fazer mais charme e beijar a boca daquele homem, levando-o para qualquer lugar em que seus corpos pudessem comprovar a compatibilidade física, presente no faiscar daquelas peles, mas manteve o controle.

Ele fechou os olhos, instintivamente e sentiu o beijo como um pedido, talvez fosse o corpo dele, que há essa hora suplicava para que aquela simples aproximação se tornasse maior ou acabasse de uma vez, deixando de torturá-lo. Foram segundos, mas que segundos loucos, pensaria ele na manhã seguinte.

Afastando os lábios do rosto, gentilmente cedido, e concentrando-se em suas intenções, Carol continuou a investir.

-E uma foto? Posso tirar? – ela voltou a mostrar o ar de menina, suavizando seu olhar e investindo nos movimentos de seu corpo, o que Cabal não sabia se o deixava mais resistente a tentação ou mais vulnerável.

-Tudo bem, é que eu...

Ela aproximou seus dedos com delicadeza e rapidez até os lábios dele, encostando um pouco mais o corpo e deixando Cabal sem reação, pelo gesto inesperado. Seguiu falando o discurso que ensaiara tantas vezes, impedindo-o de contradizer ou respirar, fazendo com que apenas ouvisse o que ela tinha a dizer.

A voz saia baixa e sedutora, ao mesmo tempo forte e compassada, como se estivesse em um processo de hipnose. Cabal estava fora de controle nesse momento, não sabia o que fazer, nem queria fazer nada. Sentia que ela pretendia dominá-lo e isso o agradava muito. O aroma que exalava dela preenchia aquele pequeno espaço entre os dois e o deixava imobilizado. No outro dia ele recordaria esse momento pensando na cara de bobo que estava fazendo, ao ser dominado por aquele mulher. O mais interessante da cena era o tempo. Todas as coisas pareciam acontecer em câmera lenta, como se um jazz pausado estivesse tocando e o mundo estivesse estacionado, esperando que ela falasse, seja lá o que for, como nos filmes antigos que Carol adorava assistir.

Ela tem atitude, ela fala, ela manda

-Não. – ordenou - Você não vai me dizer que tem um compromisso ou que alguém te espera. E você não vai fazer isso porque é gentil, e porque eu ficaria furiosa em ter saído de tão longe para te ver e acabar escutando algo do tipo.

A sobrancelha dela estava arqueada, o braço dele envolvia a cintura moldada pelos deuses e o dedo indicador dela passeava pelo rosto firme e hipnotizado a sua frente. Os olhos estavam em uma vibração constante, em sintonia, reconhecendo-se de algum lugar, como se já tivessem se visto muitas vezes e se reencontrassem naquele momento.

-Eu realmente preciso ir, mas depois... – ele estava tentando recuperar o fôlego e não deixá-la com o mal estar de levar um fora por causa de uma reunião. Agora era a mão dele passeando pelo cabelo negro cacheado, que caia nos ombros sobre a roupa que brilhava. Ouvindo aquilo ela sorriu, e interrompeu o pensamento dele, que estava prestes a propor algo para o restante da noite.

-Sou uma garota completamente compreensiva e não quero estragar seus planos nessa noite, aliás, meus planos são outros também. – ela pretendia reencontrar o moreno sexy e fazer uma proposta indecente – Eu, realmente, só queria uma foto, isso pode esperar. – Carol falava com pontos de observação no rosto, os olhos fixos e ao final da fala abriu um sorriso de lado. – portanto, façamos um trato – agora ele passava as mãos nas costas dela, respondendo ao instinto, e ela segurava o queixo dele como se fosse um menino recebendo informações da mãe para ir ao colégio, mas com muito mais sensualidade, pausadamente, e extremamente sexy – você me promete que, a próxima vez que nos virmos, sua noite será minha e apenas minha. Só você e eu. Afinal, eu mereço ser compensada pelo esforço de horas e horas voando até aqui.

Ele riu e voltou a mexer nos cabelos dela. Sua fala estava presa na garganta e toda a sua facilidade em encontrar as palavras certas, foram embora inexplicavelmente. A verdade é que ele queria levá-la dali e fazer coisas que não necessitariam de frase alguma, apenas ação. Pensava em dizer que sim, concordando com a proposta de encontrá-la em outra noite, outro momento, menos conturbado, quando Joice se aproximou, pedindo desculpa por atrapalhar, mas lembrando que ele estava sendo esperado para uma rápida reunião no camarim. Carol olhou para trás, para observar quem era a moça, e ouviu educadamente que Cabal, se assim desejasse, poderia levar a acompanhante e deixá-la na sala ao lado enquanto faziam a reunião.

Cabal voltou a olhar para Carol, que também retomava a atenção para ele, inclinando a cabeça, à espera de uma resposta para a pergunta que havia lhe feito, antes de Joice chegar. Dessa vez a surpresa foi dela, ao perceber os lábios macios em sua boca, dando um beijo estalado e curto, como um beijo de sucinta despedida, que queria dizer “nos vemos em breve”, nada prazeroso, mas completamente carinhoso e fundamental para lhe cortar a respiração e deixar os olhos saltados.

-Eu aceito. – ele disse, percebendo que havia descompassado a garota despercebidamente e assumido o controle. Então, soltou-a, passando uma de suas mãos para a dela e a outra para o rosto de pele levemente morena e macia, acariciando-a – tenho que ir ma, me dá o seu telefone? – olhava-a fixamente, ele tinha um lindo sorriso de vitória nos lábios.

Ela estava muito nervosa o tempo todo, mas não transpareceu, ao menos não na maior parte. Nesse momento, não poderia se dar ao luxo de perder o controle. Olhou para ele com o mesmo sorriso sarcástico e com um olhar mortífero, soltou sua mão, colocou a outra sob o peito de C4 e aproximou os lábios do ouvido dele, dizendo-lhe no mesmo tom de sensualidade que vinha praticando:

-Não. Eu te encontro no próximo baile, quando não for o centro das atenções baby. – deu um beijo como o que ele havia dado em sua boca e saiu em disparada pela pista, deixando-o no vácuo.

O efeito do beijo rápido para Cabal, foi como se tivessem sido atingido por um furacão. O perfume, que ainda estava hipnotizando-o naquele ambiente, espalhou-se em uma leve brisa que chegava do movimento rápido da morena, exalando a deliciosa essência que ela possuía e inebriando aquele momento. Olhou para a amiga que ainda estava em sua frente, rindo dele com sutileza e esperando que Cabal mudasse a cara de bobão, formada assim que a garota saiu.

Não, aquela mulher não seria esquecida tão facilmente.

Capítulo 3 – Admirável Rapper das Neves


Já fazia uma semana desde o show no hotel perfeito, mas Cabal ainda tinha algumas neuroses com relação aquilo. Tudo bem que a grana chegou em boa hora e que a mulherada lá era show de bola, no entanto, justamente a perfeição lhe teimava em não entrava na cabeça. Se ao menos conseguisse responder as perguntas que lhe atormentavam: como e por quê?

-Preocupado papai? – Natalia entrava com Maria Clara no colo, a menina sorria brincando com um ursinho.

-Heyy, oi minha princesinha – Cabal esticou os braços e pegou a filha no colo, abrindo o sorriso e deixando os olhos brilhantes. – tudo bem com você meu amor? – disse com um sorriso gigante, enchendo a filha de beijos.

-Não te assustei né? A porta estava encostada e eu entrei.

-Sem problemas, como é que você ta?

-Na correria como sempre. Vou deixar ela com você hoje e amanhã volto pra buscar, tenho um jantar hoje, mas quero levar ela em uma festinha de aniversário amanhã. Estou exausta com o trabalho.

-Precisa relaxar baby, mas não esquenta que se precisar de um tempo eu posso tirar uns dias pra essa princesinha. Né meu amor? – ele beijava a menina sem parar, ambos no sofá, a pequena com uma boneca, chupando a chupeta sem parar, como em um desenho infantil. - Quer comer alguma coisa Naty?

-Não, não, estou bem atrasada na verdade. – Natalia deu um beijo na filha e disparou, mexia no telefone como se tivesse recebido mensagens. – cuida bem do papai filha. – eles sorriram, Natalia cumprimentou C4 – tchau.

-A gente se vê amanhã, então. – ela já estava em disparada pelo corredor, encostando a porta e fazendo um sinal afirmativo.

O relacionamento dos dois era instável, simplesmente não havia dado pra continuar juntos, ainda que ambos sentissem alguma coisa e o amor pela filha fosse o principal vínculo, até mais que isso: o vínculo eterno. Não gostavam de pensar nisso, além disso, o que haviam decidido estava dando certo.

Cabal passou aquela tarde com Maria Clara, muito feliz em brincar com ela o dia todo, ouvindo músicas e gravando vídeos da pequena que dançava e sorria com a boneca. Era muito abençoado por tê-la e por saber que tudo valeria à pena, simplesmente por ela existir.

No dia seguinte Natalia levou a menina e Cabal se preparou para seu tão esperado e aclamado show, era a primeira vez que tocaria na maior e mais moderna boate até então construída em São Paulo. Uma casa nova, com gente da alta sociedade, mas que hoje abriria as portas, em um show histórico, com ingressos a 15 reais, o que era considerado um absurdo pela patifaria burguesa.

Dessa vez ele conhecia os organizadores, sabia que a casa encheria e que o marketing daria certo, pois atrairia pessoas ricas, que frequentavam o lugar, mas pessoas que apenas curtiam o som e teriam condições de entrar pela primeira vez na tão sonhada casa de shows. Ia bombar, ele sabia. O lugar tinha repartimentos e estratégias para mais de uma apresentação, mas a noite seria toda dele, pois as pistas ecoariam só a sua música e a de seus convidados. Ele mal podia acreditar naquilo, se a estrutura da boate fosse mesmo ser lotada, teria mais de 3 mil pessoas só nas pistas de baixo. O lugar era absoluto e ele se sentia absoluto também.

A tensão da estreia estava lhe matando, não conseguia ligar esse acontecimento ao da festa luxuosa, mas alguma coisa lhe dizia que havia algo ali. Nunca era de esquentar a cabeça com nada, mas dessa vez ele não controlava sua tensão tão bem.

xXx

“Tá me procurando? Eu tô lá fora.”

Carol estava apreensiva em sua casa. Seria a primeira vez que o veria pessoalmente. Ele, o seu Cabal. Associava seu nome à plenitude, completude, integridade, era como se ela sonhasse nas nuvens desde que o ouviu pela primeira vez e deixou seu corpo se mover ao ritmo da batida envolvente. Ela adorava imaginar que proporcionaria a ele momentos inesquecíveis, “um presente, para meu presente”, pensava. Talvez ficasse obsessiva se ainda morasse no Brasil, mas não morava. Não mais.

Depois da apresentação na peça de teatro, no Festival de Curitiba, foi procurada por um empresário norte-americano. Ela não sabia o que estava a sua espera, não era uma simples mudança. Era a maior mudança de sua vida.

(Flashback on)

-Desculpa senhor, eu acho que não entendi. – ela disse, em inglês, com cara abobalhada, olhando o homem alto, magro e moreno que estava a sua frente.

-É simples garota. Ele te viu na apresentação e quer você no novo clipe, não importa o que eu diga, se não te levar ele me mata.

O cara estava a uns quinze minutos tentando explicar que o rapper 50 cent havia assistido a peça de Carol. Lá no final da platéia, sem a menor vontade, ele se sentou, respeitando aos contatos que estava mantendo na cidade, apreciando a tal “arte brasileira”. Sem a menor paciência, naquela noite ele esperava dormir nas poltronas, pois seu empresário disse que “pelas relações exteriores, era necessário ver a peça e blá blá blá”. Havia umas cinco opções de peças em inglês naquela noite, mas a única que tinha a ver com mulher e samba era a de Carol, ele não teve dúvidas na hora de escolher, se era pra se aborrecer, seria com coisas interessantes. Certamente imaginou que veria várias garotas dançando semi-nuas.

A peça iniciou com quinze minutos de atraso, o que deixou muita gente irritada, inclusive 50 que queria ir embora rapidinho pra boate do amigo paulista, naquela cidade. Mas quando ela entrou, tudo mudou. Os olhos dele ficaram presos como uma estátua, incapaz de mudar de direção. A boca entreaberta, vendo o quão linda era aquela mulher e, OMG, ela realmente era uma artista.

50 sentia suas pernas tremerem, como se fosse um idiota ou sei lá o que, porque a presença dela, mexendo o corpo como mexia, falando com a expressão e o tom certos, aparentando raiva, dor, alegria, amor, histeria, vivendo todas as mulheres em uma, faziam-no ficar excitado apenas em olhar o corpo para lá e para cá. A última personagem era muito languida e foi a melhor, ele não sabia o que dizer, permanecia imóvel. Ao término, ele aplaudiu como um louco e as únicas palavras que pode pronunciar ao empresário foram: “eu quero ela”.

Como ele teria, não importava. O empresário era hábil no trato com brasileiros, era o representante dos grandes nomes do hip hop no país, tinha certeza, apenas em olhá-la, que não seria fácil convencer aquela moça a passar uma noite com o 50 cent.

(Flashback off)

xXx

“Baby deixa eu dizer, meu anjo me aguarda.”

Cabal estava pronto. Encontraria seus amigos em uns quinze minutos e iriam para a festa. Suas mãos suavam com a oportunidade. “A noite vai ser boa, tudo vai rolar”, seu sorriso estava ativo, tentando esconder a aflição. Quem o visse sentiria muita confiança, ele não deixava transparecer a insegurança. Recebeu uma mensagem, era Leila Moreno lhe desejando sorte, ele ficou feliz por ver a atenção da amiga, respondeu com a gentileza de sempre, eles se veriam lá, sem dúvidas.

xXx

“Você gostou do estilo, ma, você pode ser franca.”

Carol escolheu uma roupa interessante naquela noite, ela, melhor que ninguém, sabia que precisava se mostrar confiante e ter certeza do que faria. Não podia deixar o plano sair dos eixos. Parou em frente ao espelho, sentada na cadeira que ficava em frente à penteadeira com focos, maquiou os olhos com simplicidade, cuidou dos lábios e olhou para o espelho examinando sua expressão.

Eram tão especiais aqueles momentos que precediam a maior interpretação de sua vida. Seria uma farsa, ela sabia, pois ela não era nada daquilo o que aparentaria ser, mas não importava, já que estava acostumada a atuar e faria o possível para que ele a notasse. Além disso, havia sido criada na periferia curitibana e sabia bem, muito bem, o que fazer em um baile.

Suas mãos tocaram uma caixinha vermelha e ela a abriu. Era aveludada, uma caixa que guardava jóias. Ali havia um presente, mas ela não entregaria aquele presente, não naquela noite. Seria em outra, não sabia se daria certo ainda. Precisava de concentração, de persistência e de confiança. Guardou a caixinha em uma das gavetas da penteadeira. Levantou e foi em direção a sala, Richard lhe esperava lá.

-Senhora – disse o chofer com sotaque carregado, de um inglês americano – seu carro está pronto.

-Obrigada Richard, pontual como sempre. – ela se aproximou e lhe deu um beijo no rosto, segurando sua mão. – e aonde está Claire?

-Ela está na cozinha, quer que eu vá chamá-la? – Richard disse soltando a mão e se apreçando no gesto para correr até a cozinha.

-Por favor Richard, querido. Chame sua esposa.

Em pouco tempo, Claire estava na sala e olhava para Carol com olhos brilhantes.

-OMG! Isso não pode ser verdade! Como a senhora conseguiu ficar ainda mais bonita do que já é? – Carol riu e chamou Claire para um abraço. Embora tratassem Carol de senhora, o casal Stuart devia ter apenas dez anos a mais.

Eram fieis escudeiros de Carol, desde que ela ganhou o seu primeiro apartamento em NY. 50 era uma homem amável e muito querido, não havia dúvidas. Principalmente com ela. Desde que iniciaram a relação de amizade, fazia três anos e meio, sua vida dera um salto mortal triplo carpado 3D bilateral cego. Foi o ápice de seus sonhos. Uma casa de luxo, empregados, uma vida de rainha, para ela, uma completa desconhecida.

(Flashback on)

-Eu não acredito que aceitei essa proposta amiga! – ela abraçava Anne com força, as duas estavam se despedindo no shopping.

-Calma Carol, pensa que vai ser melhor pra você, sua vida, seu sonho.

-É perigoso demais.

-É a emoção da aventura sua boba – ela deu um abraço mais forte na amiga, estavam sentadas na praça de alimentação com quilos de batatinha.

Chegando nos Estados Unidos, Carol logo percebeu que a história de “videoclipe” era um mínimo detalhe na verdadeira intenção do que pretendiam que ela fizesse. Ficou muito claro que o próprio 50 não esperava por ela e que ficou surpreso quando a viu, com aquela mala gigante na sala de jogos da mansão. Os olhos dela estavam saltados, os músculos rígidos, o coração apertado, o ventre dançava e o mundo era um buraco negro. Não sabia o que dizer, ainda menos olhando 50, Eminem e companhia limitada na sala, olhando para ela. O pior aconteceu, é claro. Ela colocou as mãos no rosto e começou a chorar desesperadamente.

Na mesma noite 50 demitiu o “imprestável agente”, deu um quarto para ela ficar e disse que seria a estrela do novo vídeo, acariciando seu rosto. Ela não conseguia se mover, pois estava desesperada sentada na cama do quarto belíssimo, sem ouvir as piadas que faziam da “poor brazilian gilr” na sala de jogos, mas ouvindo as risadas que vinham de lá. 50 nunca havia sentido aquilo, mas foi um aperto vê-la chorando, seu instinto paterno foi maior que qualquer outro sentimento de repulsa.

Ofereceu-lhe o mundo desde então. Criaram uma amizade muito forte, depois de boas noites de sexo, ele se tornou seu irmão. Ela era como o porto seguro, dava-lhe tudo o que queria, não apenas em prazer carnal, como principalmente em palavras. Passavam horas conversando no quarto, abraçados na cama, falando sobre tudo o que haviam feito, conhecido. Ela ganhou mais que a participação em um clipe, ganhou uma oportunidade em um curta-metragem da Paramond e agora estava prestes a estrelar seu segundo filme, em três meses, um longa dirigido por Charlie's Angels, diretor de As Panteras e Superman, sim ela seria uma heroína no filme. Ou melhor, já havia sido, faltava pouco para faturar com a estreia.

Mas os poderes de Carol eram muito maiores, ela não era simplesmente bela, como também tinha inteligência, audácia, senso crítico e fidelidade. Além de paixão, é claro, era apaixonada por coisas loucas, tinha vontades malucas. Uma delas ligada a um tal rapper brasileiro, que havia mudado sua vida com meia dúzia de músicas. Vivia falando para 50 de um certo C4 e do rap brasileiro, embora o amigo não desse muito pano pra manga.

(Flashback off)

A calça estava colada, como ela sabia que ele gostaria de ver. A blusinha um pouco mais larga sobre uma segunda, bem justa. As cores prateadas sobre o preto fizeram o corpo ficar ainda mais sedutor, se Richard não fosse fiel e apaixonado, se ele não fosse tão amigo e amasse Carol como irmã, teria ficado tentado a descobrir o que uma mulher como aquela seria capaz de fazer naquela noite.

Ela entrou no carro, uma Mercedes que havia sido replanejada internamente, especialmente para o plano que vinha mirabolando em sua cabeça, havia meses. Uma noite, apenas uma noite, mas seria a melhor de todas as noites. Ela tinha calma, calculava e jogava muito bem. Esperaria pelo aclamado encontro, enquanto cuidava dos outros detalhes.