(Flashback on – há duas semanas)
Thaíde não cabia em si de tanta felicidade, era a oportunidade de sua vida. Dirigia com todo o cuidado e ouvia um R&B, empolgado, em seu carro nada popular. Seria o melhor ano de sua vida, ele sabia, estava muito feliz com isso. Já havia algumas semanas que estava viajando entre uma cidade e outra para cuidar de assuntos internacionais.
Uma garota curitibana tinha se dado bem na cena gringa, trabalhava com cinema, sendo bancada pelo 50 cent. No Brasil, o pessoal estava meio desinformado sobre esse assunto, não era a toa que eles eram bastante sucintos. O próprio Thaíde havia descoberto por uma nota curta que leu em um jornal on line de hiphop. Se tornaria um escândalo em pouco tempo: “a garota brasileira que dorme com o 50 cent, em troca de papéis no cinema”. Capa de fofoca na certa. Provavelmente era uma Geyse Arruda da vida, sem talento nenhum que saia por aí com roupinhas curtas, a procura de “oportunidades”. O pior é que, na cagada, encontrou seus 15 minutos.
Não conhecia a garota, não poderia julgá-la, mas no geral, era isso o que acontecia. Garotas exploradoras, mulheres que queriam status e em troca ofereciam sexo. Ele conhecia bem esse tipinho, mas cada um fazia da vida o que queria e o que achava justo, isso não o abalava, desde que não ultrapassasse seu muro.
Essa mulher em especial estava ligada com ele agora. Não sabia porque, mas estava o ajudando. Falou muito bem dele na cena gringa e o rapper “todo poderoso da USA” resolveu dar uma oportunidade para Thaíde trabalhar como produtor musical, no próximo filme da ninfa curitibana. Certamente um capricho dela que 50 queria realizar. Devia ser bem gostosa pra conseguir tudo isso.
Dirigia pensando nisso e nas oportunidades em ter seu nome num filme norte americano, mas principalmente em fazer aquele playlist, com seu estilo, repleto de rap nacional de qualidade. Queria estourar ou, ao menos, chamar atenção no exterior. Não era só a oportunidade dele, era a oportunidade dos seus chapas.
Nesse momento conheceria, finalmente, a tal garota. Parece que seu nome era Carolina. Carolina Magalhães. Um nome forte, pensou ele, devia ser bonita. Acabou lembrando que não pesquisou nada sobre ela, empolgado demais para pensar nesse detalhe, só sabia das notícias antigas, mas já devia fazer uns três anos desde que soube algo sobre a garota, talvez agora fosse mais conhecida pelas revistas de fofoca.
Estacionou o carro e entrou no prédio do hotel, o almoço de reunião só podia ser naquele luxuoso palacete paulistano, é claro. Quanta futilidade. Ele imaginava o perfil dela a cada detalhe que conhecia na organização da produção do filme e sentia-se um pouco incomodado em pensar coisas assim, afinal nem conhecia a garota. Estava se repetindo esse detalhe desde que entrará no carro, mas era inevitável deixar o pensamento voar.
Tirou os óculos de sol e olhou para os lados, procurando um dos colegas de trabalho que já conhecia, avistou um loiro, alto e magro, chamado Eduardo. Era o assistente de direção e estava no salão de espera do hotel, de pé ao lado de uma mulher morena, de cabelos cacheados longos, que usava um vestido jardineira, de tecido aveludado verde escuro, sob uma camisa xadrez, com mangas dobradas, um colar e madeira e uma bota rasteira de cano médio, revelando ser a tão aclamada Carolina Magalhães. “Um estilo interessante”, pensou ele, “bem ao ar sulista”.
Se aproximou com um sorriso, cumprimentou Eduardo e percebeu o sorriso de satisfação de Carol em vê-lo. Ela se levantou, esperando as apresentações, olhava para Thaíde com os olhos analíticos. Depois do cumprimento, Eduardo fez as devidas apresentações.
-Essa é a Carol. Carol, Thaíde. Thaíde, Carol.
Carol se aproximou e Thaíde também, ele com um sorriso gentil disse-lhe “muito prazer” e ela respondeu com a mesma gentileza, que era dela a honra. Thaíde não se sentiu incomodado com ela, ao contrário, os pensamentos que a relacionavam a uma garota interesseira se foram rapidamente, principalmente depois de ver o quanto era linda aquela menina, tinha um ar impressionante, trazia paz e era doce. Ficou sem saber o que pensar, mas queria conhecê-la melhor, certamente.
-Ouvi falar muito bem de você Carol.
-haha, é mesmo? Aposto que foi o Edu, né? – ela abraçou o ombro do amigo, revelando um sorriso sincero de amizade. Estava reluzente e feliz com aquele momento, gostava muito de Thaíde, embora a aproximação fosse para conquistar terreno no hiphop.
-Ele e muitos mais, mas eu quero te agradecer, antes mesmo de começarmos a reunião, pelo seu carinho comigo. Fico gratificado pela lembrança e não sei como pagar a oportunidade. – ele sabe como controlar a fala, sem usar gírias quando era necessário, pensou Carol, que gostou da atitude.
A curitibana olhou para Thaíde com o rosto um pouco mais fechado, percebia que era hora de falar de negócios, e nessas horas ela era extremamente profissional.
-Thaíde, não precisa me agradecer em nada. Você é um excelente MC e eu sei disso há anos, agora que tive oportunidade de trabalhar com alguém que pretende investir em talentos, não poderia esquecer da sua competência. Se quer retribuir, apenas seja você mesmo.
Encantado com a precisão de Carolina, ele agradeceu:
-Muito obrigado. Eu não sei o que dizer. – e não sabia mesmo.
O sorriso voltou e ela segurou a mão de Thaíde, em sinal de cumplicidade, depois soltou-a e convidou-o, juntamente a Eduardo, para se dirigirem ao restaurante do hotel. Lá conversariam sobre os detalhes do filme, Carol lhes mostraria todo o projeto, falaria como aconteceriam as filmagens e reuniões, além de discutir sobre todos os detalhes da produção do filme.
Passaram o dia no hotel e saíram tarde da noite, muito contentes.
(Flash back off)
xXx
“O medo mora perto das ideias loucas.”
A festa deixou-lhe a sensação de ter sido atingido por uma bigorna. Cabal não conseguia se mexer de tanta dor, nunca havia sentido nada assim. Dessa vez acordava em casa e estava sem companhia, a pessoa com quem saiu depois da reunião no camarim havia o levado para lá, pois ele não tinha condições de dirigir, nem, infelizmente, de concretizar seus planos com a bela.
Cabal estava investindo na garota há algum tempo, era um dos motivos de no início ter feito certo “charme” com a morena da festa. “Eu nem sei o nome dela”, pensou lembrando dos acontecimentos. Queria parar para pensar naquele assunto, detestava deixar uma coisa sem resolver e deveria ter resolvido. Agora era provável que não a visse mais e nem sequer tinha um número ou um nome.
Por outro lado, tinha que pensar em assuntos incômodos de qualquer maneira. Algo estava estranho, e foi, inclusive, o maior motivo da bebedeira na noite anterior: a reunião. Ele conhecia o produtor do evento, não havia dúvidas, estava certo de que a oportunidade na boate tinha sido única, mas naquele camarim, muito chique e completamente inimaginável, com frutas e flores, sofás aconchegantes e bebidas caras, ele percebeu que a esmola era demais. O que rolou na reunião foi uma espécie de esclarecimento sobre os detalhes da grana e todas as distribuições de pagamento do contratante, algo que ele não esperava ouvir daquela maneira, muito menos com a sucessão de descobertas que fez. Na verdade, ninguém de sua equipe esperava tantas explicações inúteis e perca de tempo com blá blá blá, no final da festa. Ele ainda lembrava das palavras do produtor do evento, engravatado e de nariz empinado:
Nossa proposita inicial seria trazê-los em cerca de dois ou três anos, assim que a boate estabelecesse certa firmeza de caráter e público, afinal, como vocês sabem, a Pegasus é nova em São Paulo, criada para a elite e não poderíamos arriscar tudo com músicas... nesse estilo, se é que vocês me entendem – Cabal lembrava que nessa hora havia começado a beber, tamanho o ódio que sentiu ao ouvir o disparate do produtor – Mas fomos procurados por alguém interessado em fazer essa noite de hip hop acontecer antes do tempo previsto, e o sucesso é extraordinário. Temos mais duas noites fechadas com esse tipo de música. É claro que não com o preço absurdo de hoje, mas...
A falação continuou, mas Cabal não fazia questão de forçar a memória, pelo simples motivo de ser uma história muito mal contada, que ele não engolia. Primeiro o evento no Resort, depois essa produção? Era demais pra ele, um empresário fantasma que queria lhe dar o paraíso? Isso não existia na sua história, nunca ganhou nada de graça. Se ele tinha o que tinha, era por batalhar e se esforçar até conseguir. Se uma ou duas vezes as coisas vieram fáceis, foram tão fáceis quanto vieram e ele, nesse momento, não estava disposto a deixar os anéis separados dos dedos, por um simples, prudente, básico e ótimo motivo: Maria Clara.
Pensar que tinha uma família, uma filha e uma responsabilidade, mudavam tudo na mente dele. Não poderia se dar ao luxo de perder oportunidades ou de se enforcar em enrascadas, porque precisava fazê-la feliz, criá-la bem, dar-lhe do bom e do melhor, em um lar ainda mais digno do que o que ele teve em sua infância. Um pensamento óbvio, já que ele a amava mais do que, absolutamente, tudo e seria capaz de abrir mão de qualquer coisa por ela.
Depois de pensar na filha, criou forças para levantar e fazer um café, deviam ser três da tarde e ele pretendia ir ao escritório naquele dia, tentar descobrir quem era o tal cara que o contratou. Não queria dívidas com ninguém, sua gratidão era com os conhecidos e com os que lhe apoiavam, não com pessoas que se escondem por trás de dinheiro, tentando comprá-lo.
...na vida a gente colhe o que planta
Então acredita, não dorme, levanta...
Seu celular tocou. Por um momento a mente ficou limpa, ele olhou para o aparelho e pensou na garota da noite passada, tão linda, tão cheirosa, tão gostosa, era uma pena ter ido embora tão rápido, deixando-o como um bobo, sem ao menos um telefone. Balançou a cabeça negativamente, tentando espantar os pensamentos loucos e atendeu o celular. Era o Thaíde.
-Fala aê tio, tudo beleza?
-Beleza irmão e aí?
-Na boa. Escuta, to passando aqui perto, vô dá uma chegada na tua baia, beleza?
-Demorô, chega ae. Levamo um papo, tomamo uma bera. – ou comemos um pãozão recheado, pensou ele morto de fome.
-Fechado, dez minutos to aí.
-Demorô.
Assim que desligou o celular, Cabal foi até a cozinha preparar um café forte e algo para comer, desistiu de preparar, pensava em pedir uma pizza, acabou pedindo esfirras. Queria esquecer aquelas coisas todas, mas sua cabeça martelava, sem deixar que isso acontecesse. Em meio a um lance e outro, que eram como flashs em sua mente, havia um belo par de olhos castanhos, reluzentes, doces. Doce? Não, uma menina má. Pensava ele ao lembrar o selinho desesperado que ambos deram, a mão dele que a tocava nas costas. Costas que levariam a curvas, que levariam a lugares interessantes e que o deixavam louco só de pensar no que havia perdido na noite passada. Não costumava se arrepender das escolhas, mas como, no final das contas, passou a madrugada bêbado e praticamente sozinho...
Fazia alguns meses que investia em sua amiga Leila, era algo novo, ele não pretendia no início, nem ela, mas estavam se aproximando cada vez mais. É claro que antes havia algo de especial, mas era muito mais amizade que qualquer coisa, ele já havia tido esse tipo de relacionamento, não era a primeira vez. No entanto, nesses últimos tempos, queria ter alguém por perto, uma nova namorada, alguma mulher com quem passar os fins de semana, com quem andar por aí, se divertir, viajar e fazer um sexo gostoso, claro. Algo simples assim, e ele pensava ser Leila uma boa opção. Resolveu investir.
Era ela quem estava na noite passada no camarim, esperando por ele para que conversassem, e foi ela quem o levou para casa, depois da súbita bebedeira, isso queria dizer alguma coisa. Talvez Leila gostasse dele, talvez não gostasse como ele queria, mas por que não arriscar? Os dois se davam bem, eram adultos e pagavam suas contas. Tinham um ótimo relacionamento, além amigos e gostos em comum. Em geral, acreditavam que com o tempo daria certo.
Thaíde chegou quando o café acabava de ser preparado, subiu com o cara das esfirras.
-E aí mano – eles se cumprimentaram, Cabal agradeceu ao entregador, deu uma gorjeta e entrou comendo uma esfirra, enquanto oferecia para seu amigo, que não aceitou, por ter acabado de almoçar.
-Senti sua falta ontem lá irmão, o bagulho tava muito loco.
-Porra meu, eu tinha que vir aqui te dar um salve, não teve como eu chegar antes, cheguei na matina, quebrado, fui direto pra casa.
-Susse cara, ta tranquilo, não esquenta. – estava sentado no sofá com o café e as esfirras, perguntou se Thaíde não ia querer mesmo e ele respondeu que não. Thaíde foi até o rádio, era familiarizado com o ambiente, começou a mexer nos mixtapes enquanto conversavam, escolheu um som novo que tinha por lá para ouvir, sem deixar de mexer nos cd’s. – como é que foi sua viagem?
- Nossa cara, foi da hora, sem palavras. Antes de ir pra Minas conheci aquela mina do 50 cent que eu te falei, tá ligado?
-Uhum – murmurou, de boca cheia.
-Então, a mina é mó gente boa, inteligente, profissional e o melhor, gostosa pra caralho – eles riram com o jeito de Thaíde falar.
-Ta pegando a mina?
-Não né, ta louco? Eu não sou suicida pra encostar na mulher do cara meu. Onde se ganha o pão – ele deu uma pausa oscilando a voz, em brincadeira – se ta ligado.
-Ta certo, não se come a carne. – completou - mas é filé mesmo?
-Indústria brasileira. Uma curitibana, muito simpática, cheia de delicadeza, mas é só casca. Quando a mulher se joga na pista, a casa caí geral. Fora que tem uma energia... – ele fez uma cara engraçada, de quem acha uma coisa gostosa e balançou a cabeça, voltando a olhar os cd’s.
-Onde viu ela dançar? Já saiu com ela é? – a boca cheia ainda.
-Meu, não sei se tu já assistiu o filme dela? Tá ligado aquele da deusa lá? Acho que é Maktub, maior sucesso em cartaz ano passado.
-Puts, não vi cara, mas acho que já ouvi falar. É com aqueles caras de Supernatural lá, né?
-Esse aí mesmo. Irmão, cê tinha que ver. Ela é muito gostosa, deixa qualquer um pirado. E tem uma cena do filme novo, que vai lançar daqui uns três-quatro meses, que ela ta dançando enlouquecida. Vê lá no youtube meu, tem lá o trailer. Não lembro o nome do filme, mas se buscar Carolina Magalhães aparece alguma coisa.
-Vô procura, eu não lembro de ter visto essa mina. Eu sei que saiu reportagem e tudo, que ela tava crescendo nas costas do 50, mas sei lá, nem dei bola. – agora Thaíde estava no outro sofá, com uma garrafa de cerveja que tinha pego no frigobar.
-Pois é cara, essa é a questão. Ela fatura pra caralho lá fora, mas aqui nem aparece. Tá crescendo lá, Victoria’s Secret tava querendo ela de Angel até. Ela é amiga de umas top’s da hora, só gostosa. Só que por aqui ela ta na humilde, só trabalhando nos projetos de curta e instituições do sul. Troquei uma ideia com ela, mina da hora. Responsa e gente fina.
-E ela é a mina do cara lá mesmo?
-Meu, se é ou não, não to ligado, que ela não comentou nada disso e eu também não perguntei. Só que não arrisco ali né? Se ta ligado a merda que ia dá. Fora que ela fez minha fita com o cara e eu to nessa com incentivo dela, saca? Gosto pra caralho dessa mina.
-Humm, to sentindo o grau. – eles riram.
-Nem é isso meu. A questão é que a mulher é foda mesmo, não tem como não se dar bem com ela, sei lá. Já trocamos altos papos e deu pra sentir que ela é interessante, não tem como dizer que não é, mas principalmente foda. Tá ligado? Aquele tipo de mulherão que domina, mas faz com jeitinho e... porra, sei lá. Ela é formada, bem informada, curte altos movimentos sociais, é consciente. Só que o estranho é que eu vejo ela mais com olhar protetor, tipo de irmão que quer ver ela crescer e se dar bem, do que com segundas.
-Ihh veio, qui qué isso... Ta virando o disco? No homo aqui em mano!– eles riram. – Não, é massa, massa... Tem mina que é assim mesmo, chega de mansinho e deixa o cara sem chão. – Cabal começava a pensar na morena da festa.
-A parada é que só sei explicar quando ela ta por perto, porque quando a gata ta longe, meu amigo, - ele deu ênfase no “meu amigo” – nem eu sei como me seguro.
Os dois estavam rindo agora, Thaíde contava das peripécias no desenvolvimento do filme e convidou Cabal para compor uma música para o soundtrack. Era tudo muito milimétrico na preparação do conteúdo e a tal garota parecia mesmo interessante, mas o que vinha em sua mente, inexplicavelmente, era a imagem da morena da festa. Até que em um ponto da conversa, quando Thaíde percebeu que Cabal estava no mundo da lua, perguntou o que estava pegando.
-Ontem rolou uma parada engraçada cara. Eu tava na boa curtindo o baile, chegou uma mina gostosa, morena, corpão, toda patricinha e pediu um autógrafo. Eu, na maior boa vontade, dei. (nohomo).
-Lá vem história – ele encheu o copo, agora estavam dividindo uma cerveja.
-Pois é cara, a parada é que a mina, de repente, estava me seduzindo e queria passar a noite comigo. Normal, tem várias assim. Só que ela era diferente, não sei, foi rápido demais e ficou na minha cabeça. Meio que me tirou do ar, na hora em que ela tava vazando e pá. Fiquei de cara. – ele falava olhando para a cerveja, mas com os olhos perdidos, pensamento longe.
-Tremeu na base C4, não te reconheço irmão.
Para os dois foi motivo de piada, Cabal desencanou naquele momento, e concordou com Thaíde: muitas eram assim. Depois que o amigo foi embora, Cabal mandou uma mensagem para Leila, pois sabia que o melhor a fazer era conservar as coisas que pareciam verdadeiras naquele momento, afinal, a história do “empresário fantasma” ainda estava martelando em sua cabeça.
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