Reinações Múltiplas: Capítulo 3 – Admirável Rapper das Neves
ATENÇÃO: Este blog é pessoal e não profissional

Capítulo 3 – Admirável Rapper das Neves


Já fazia uma semana desde o show no hotel perfeito, mas Cabal ainda tinha algumas neuroses com relação aquilo. Tudo bem que a grana chegou em boa hora e que a mulherada lá era show de bola, no entanto, justamente a perfeição lhe teimava em não entrava na cabeça. Se ao menos conseguisse responder as perguntas que lhe atormentavam: como e por quê?

-Preocupado papai? – Natalia entrava com Maria Clara no colo, a menina sorria brincando com um ursinho.

-Heyy, oi minha princesinha – Cabal esticou os braços e pegou a filha no colo, abrindo o sorriso e deixando os olhos brilhantes. – tudo bem com você meu amor? – disse com um sorriso gigante, enchendo a filha de beijos.

-Não te assustei né? A porta estava encostada e eu entrei.

-Sem problemas, como é que você ta?

-Na correria como sempre. Vou deixar ela com você hoje e amanhã volto pra buscar, tenho um jantar hoje, mas quero levar ela em uma festinha de aniversário amanhã. Estou exausta com o trabalho.

-Precisa relaxar baby, mas não esquenta que se precisar de um tempo eu posso tirar uns dias pra essa princesinha. Né meu amor? – ele beijava a menina sem parar, ambos no sofá, a pequena com uma boneca, chupando a chupeta sem parar, como em um desenho infantil. - Quer comer alguma coisa Naty?

-Não, não, estou bem atrasada na verdade. – Natalia deu um beijo na filha e disparou, mexia no telefone como se tivesse recebido mensagens. – cuida bem do papai filha. – eles sorriram, Natalia cumprimentou C4 – tchau.

-A gente se vê amanhã, então. – ela já estava em disparada pelo corredor, encostando a porta e fazendo um sinal afirmativo.

O relacionamento dos dois era instável, simplesmente não havia dado pra continuar juntos, ainda que ambos sentissem alguma coisa e o amor pela filha fosse o principal vínculo, até mais que isso: o vínculo eterno. Não gostavam de pensar nisso, além disso, o que haviam decidido estava dando certo.

Cabal passou aquela tarde com Maria Clara, muito feliz em brincar com ela o dia todo, ouvindo músicas e gravando vídeos da pequena que dançava e sorria com a boneca. Era muito abençoado por tê-la e por saber que tudo valeria à pena, simplesmente por ela existir.

No dia seguinte Natalia levou a menina e Cabal se preparou para seu tão esperado e aclamado show, era a primeira vez que tocaria na maior e mais moderna boate até então construída em São Paulo. Uma casa nova, com gente da alta sociedade, mas que hoje abriria as portas, em um show histórico, com ingressos a 15 reais, o que era considerado um absurdo pela patifaria burguesa.

Dessa vez ele conhecia os organizadores, sabia que a casa encheria e que o marketing daria certo, pois atrairia pessoas ricas, que frequentavam o lugar, mas pessoas que apenas curtiam o som e teriam condições de entrar pela primeira vez na tão sonhada casa de shows. Ia bombar, ele sabia. O lugar tinha repartimentos e estratégias para mais de uma apresentação, mas a noite seria toda dele, pois as pistas ecoariam só a sua música e a de seus convidados. Ele mal podia acreditar naquilo, se a estrutura da boate fosse mesmo ser lotada, teria mais de 3 mil pessoas só nas pistas de baixo. O lugar era absoluto e ele se sentia absoluto também.

A tensão da estreia estava lhe matando, não conseguia ligar esse acontecimento ao da festa luxuosa, mas alguma coisa lhe dizia que havia algo ali. Nunca era de esquentar a cabeça com nada, mas dessa vez ele não controlava sua tensão tão bem.

xXx

“Tá me procurando? Eu tô lá fora.”

Carol estava apreensiva em sua casa. Seria a primeira vez que o veria pessoalmente. Ele, o seu Cabal. Associava seu nome à plenitude, completude, integridade, era como se ela sonhasse nas nuvens desde que o ouviu pela primeira vez e deixou seu corpo se mover ao ritmo da batida envolvente. Ela adorava imaginar que proporcionaria a ele momentos inesquecíveis, “um presente, para meu presente”, pensava. Talvez ficasse obsessiva se ainda morasse no Brasil, mas não morava. Não mais.

Depois da apresentação na peça de teatro, no Festival de Curitiba, foi procurada por um empresário norte-americano. Ela não sabia o que estava a sua espera, não era uma simples mudança. Era a maior mudança de sua vida.

(Flashback on)

-Desculpa senhor, eu acho que não entendi. – ela disse, em inglês, com cara abobalhada, olhando o homem alto, magro e moreno que estava a sua frente.

-É simples garota. Ele te viu na apresentação e quer você no novo clipe, não importa o que eu diga, se não te levar ele me mata.

O cara estava a uns quinze minutos tentando explicar que o rapper 50 cent havia assistido a peça de Carol. Lá no final da platéia, sem a menor vontade, ele se sentou, respeitando aos contatos que estava mantendo na cidade, apreciando a tal “arte brasileira”. Sem a menor paciência, naquela noite ele esperava dormir nas poltronas, pois seu empresário disse que “pelas relações exteriores, era necessário ver a peça e blá blá blá”. Havia umas cinco opções de peças em inglês naquela noite, mas a única que tinha a ver com mulher e samba era a de Carol, ele não teve dúvidas na hora de escolher, se era pra se aborrecer, seria com coisas interessantes. Certamente imaginou que veria várias garotas dançando semi-nuas.

A peça iniciou com quinze minutos de atraso, o que deixou muita gente irritada, inclusive 50 que queria ir embora rapidinho pra boate do amigo paulista, naquela cidade. Mas quando ela entrou, tudo mudou. Os olhos dele ficaram presos como uma estátua, incapaz de mudar de direção. A boca entreaberta, vendo o quão linda era aquela mulher e, OMG, ela realmente era uma artista.

50 sentia suas pernas tremerem, como se fosse um idiota ou sei lá o que, porque a presença dela, mexendo o corpo como mexia, falando com a expressão e o tom certos, aparentando raiva, dor, alegria, amor, histeria, vivendo todas as mulheres em uma, faziam-no ficar excitado apenas em olhar o corpo para lá e para cá. A última personagem era muito languida e foi a melhor, ele não sabia o que dizer, permanecia imóvel. Ao término, ele aplaudiu como um louco e as únicas palavras que pode pronunciar ao empresário foram: “eu quero ela”.

Como ele teria, não importava. O empresário era hábil no trato com brasileiros, era o representante dos grandes nomes do hip hop no país, tinha certeza, apenas em olhá-la, que não seria fácil convencer aquela moça a passar uma noite com o 50 cent.

(Flashback off)

xXx

“Baby deixa eu dizer, meu anjo me aguarda.”

Cabal estava pronto. Encontraria seus amigos em uns quinze minutos e iriam para a festa. Suas mãos suavam com a oportunidade. “A noite vai ser boa, tudo vai rolar”, seu sorriso estava ativo, tentando esconder a aflição. Quem o visse sentiria muita confiança, ele não deixava transparecer a insegurança. Recebeu uma mensagem, era Leila Moreno lhe desejando sorte, ele ficou feliz por ver a atenção da amiga, respondeu com a gentileza de sempre, eles se veriam lá, sem dúvidas.

xXx

“Você gostou do estilo, ma, você pode ser franca.”

Carol escolheu uma roupa interessante naquela noite, ela, melhor que ninguém, sabia que precisava se mostrar confiante e ter certeza do que faria. Não podia deixar o plano sair dos eixos. Parou em frente ao espelho, sentada na cadeira que ficava em frente à penteadeira com focos, maquiou os olhos com simplicidade, cuidou dos lábios e olhou para o espelho examinando sua expressão.

Eram tão especiais aqueles momentos que precediam a maior interpretação de sua vida. Seria uma farsa, ela sabia, pois ela não era nada daquilo o que aparentaria ser, mas não importava, já que estava acostumada a atuar e faria o possível para que ele a notasse. Além disso, havia sido criada na periferia curitibana e sabia bem, muito bem, o que fazer em um baile.

Suas mãos tocaram uma caixinha vermelha e ela a abriu. Era aveludada, uma caixa que guardava jóias. Ali havia um presente, mas ela não entregaria aquele presente, não naquela noite. Seria em outra, não sabia se daria certo ainda. Precisava de concentração, de persistência e de confiança. Guardou a caixinha em uma das gavetas da penteadeira. Levantou e foi em direção a sala, Richard lhe esperava lá.

-Senhora – disse o chofer com sotaque carregado, de um inglês americano – seu carro está pronto.

-Obrigada Richard, pontual como sempre. – ela se aproximou e lhe deu um beijo no rosto, segurando sua mão. – e aonde está Claire?

-Ela está na cozinha, quer que eu vá chamá-la? – Richard disse soltando a mão e se apreçando no gesto para correr até a cozinha.

-Por favor Richard, querido. Chame sua esposa.

Em pouco tempo, Claire estava na sala e olhava para Carol com olhos brilhantes.

-OMG! Isso não pode ser verdade! Como a senhora conseguiu ficar ainda mais bonita do que já é? – Carol riu e chamou Claire para um abraço. Embora tratassem Carol de senhora, o casal Stuart devia ter apenas dez anos a mais.

Eram fieis escudeiros de Carol, desde que ela ganhou o seu primeiro apartamento em NY. 50 era uma homem amável e muito querido, não havia dúvidas. Principalmente com ela. Desde que iniciaram a relação de amizade, fazia três anos e meio, sua vida dera um salto mortal triplo carpado 3D bilateral cego. Foi o ápice de seus sonhos. Uma casa de luxo, empregados, uma vida de rainha, para ela, uma completa desconhecida.

(Flashback on)

-Eu não acredito que aceitei essa proposta amiga! – ela abraçava Anne com força, as duas estavam se despedindo no shopping.

-Calma Carol, pensa que vai ser melhor pra você, sua vida, seu sonho.

-É perigoso demais.

-É a emoção da aventura sua boba – ela deu um abraço mais forte na amiga, estavam sentadas na praça de alimentação com quilos de batatinha.

Chegando nos Estados Unidos, Carol logo percebeu que a história de “videoclipe” era um mínimo detalhe na verdadeira intenção do que pretendiam que ela fizesse. Ficou muito claro que o próprio 50 não esperava por ela e que ficou surpreso quando a viu, com aquela mala gigante na sala de jogos da mansão. Os olhos dela estavam saltados, os músculos rígidos, o coração apertado, o ventre dançava e o mundo era um buraco negro. Não sabia o que dizer, ainda menos olhando 50, Eminem e companhia limitada na sala, olhando para ela. O pior aconteceu, é claro. Ela colocou as mãos no rosto e começou a chorar desesperadamente.

Na mesma noite 50 demitiu o “imprestável agente”, deu um quarto para ela ficar e disse que seria a estrela do novo vídeo, acariciando seu rosto. Ela não conseguia se mover, pois estava desesperada sentada na cama do quarto belíssimo, sem ouvir as piadas que faziam da “poor brazilian gilr” na sala de jogos, mas ouvindo as risadas que vinham de lá. 50 nunca havia sentido aquilo, mas foi um aperto vê-la chorando, seu instinto paterno foi maior que qualquer outro sentimento de repulsa.

Ofereceu-lhe o mundo desde então. Criaram uma amizade muito forte, depois de boas noites de sexo, ele se tornou seu irmão. Ela era como o porto seguro, dava-lhe tudo o que queria, não apenas em prazer carnal, como principalmente em palavras. Passavam horas conversando no quarto, abraçados na cama, falando sobre tudo o que haviam feito, conhecido. Ela ganhou mais que a participação em um clipe, ganhou uma oportunidade em um curta-metragem da Paramond e agora estava prestes a estrelar seu segundo filme, em três meses, um longa dirigido por Charlie's Angels, diretor de As Panteras e Superman, sim ela seria uma heroína no filme. Ou melhor, já havia sido, faltava pouco para faturar com a estreia.

Mas os poderes de Carol eram muito maiores, ela não era simplesmente bela, como também tinha inteligência, audácia, senso crítico e fidelidade. Além de paixão, é claro, era apaixonada por coisas loucas, tinha vontades malucas. Uma delas ligada a um tal rapper brasileiro, que havia mudado sua vida com meia dúzia de músicas. Vivia falando para 50 de um certo C4 e do rap brasileiro, embora o amigo não desse muito pano pra manga.

(Flashback off)

A calça estava colada, como ela sabia que ele gostaria de ver. A blusinha um pouco mais larga sobre uma segunda, bem justa. As cores prateadas sobre o preto fizeram o corpo ficar ainda mais sedutor, se Richard não fosse fiel e apaixonado, se ele não fosse tão amigo e amasse Carol como irmã, teria ficado tentado a descobrir o que uma mulher como aquela seria capaz de fazer naquela noite.

Ela entrou no carro, uma Mercedes que havia sido replanejada internamente, especialmente para o plano que vinha mirabolando em sua cabeça, havia meses. Uma noite, apenas uma noite, mas seria a melhor de todas as noites. Ela tinha calma, calculava e jogava muito bem. Esperaria pelo aclamado encontro, enquanto cuidava dos outros detalhes.

Nenhum comentário: