Carol estava em sua nova casa. Não poderia considerar nova, nem dela, mas tudo bem porque passaria lá os três meses mais maravilhosos de sua vida e isso bastava. Estava toda feliz, olhava para os móveis, para as paredes, para o teto, para as roupas e rodopiava dançando lago dos cines. “Tudo pra mim”, pensava, abria um sorriso e então voltava a flutuar como uma bailarina.
A casa era mesmo muito bonita, a decoração feita ao estilo que ela mais gostava, com utensílios práticos e muita sofisticação. Tinha um ar de delicadeza e ao mesmo tempo de força. Ao entrar uma pequena sala, com sofá em “L” em frente a uma TV gigantesca, ao redor espalhadas caixas de som, que estavam ligadas ao circuito interno, todos os ambientes eram bombardeados pela música. Uma mesa de telefone com incensos, uma pirâmide no centro, algumas cartas e versículos, enfeitava o canto esquerdo que levava as escadas.
Podia-se ver também um vaso de plantas muito bem cuidadas, ao lado da porta, à direita, que levava a sala de jogos e, em frente, uma passagem que ia a cozinha, a garagem e ao quintal, mas antes dela, uma escada de madeira que levava aos cômodos. Do lado esquerdo da sala, a porta que levava a área dos ajudantes, basicamente dois ou três.
No quarto dela uma tenda, belíssima, almofadas coloridas com o rosto de Marilyn Monroe, um tapete com livros espalhados ao lado de uma penteadeira branca, que lembrava camarins de artistas circenses, com lâmpadas ao redor, uma foto dela e dos pais sorrindo, perfumes e maquilagem. O closet era a esquerda da porta de entrada do quarto, muito bem organizado.
Os outros quartos tinham um charme especial seguindo tendências diferentes e os banheiros era basicamente revestidos de acessórios de prata, com ventilação e plantas, além de banheiras de hidromassagem.
O que Carol não conseguia entender era como aquilo aconteceu tão rápido. Ela era muito sortuda, ou muito talentosa mesmo, talvez os dois. Sorte e talento. Uma atriz de vinte e poucos anos, de cabelos negros, olhos castanhos claros, pele morena e sorriso gigante. Lembrava como ontem das primeiras palavras que decorou no grupo de teatro, sentia saudades de Curitiba, queria visitar seus pais, mas por hora, para seus planos, São Paulo era o suficiente.
xXx
“É melhor correr com ‘nóis’, ou então ‘saí’ da frente”
(Flashback on)
Ela estava morta de cansaço. Que besteira era aquela de aceitar fazer um monólogo em inglês no Festival de Teatro? Loucura! Ainda mais quando se estava trabalhando como uma condenada na escola.
“Vida de professora de português deveria ganhar programas de Reality Show”, dizia ela com os lábios cerrados de ódio, andando depressa pela Marechal, enquanto chegava até o Teatro da Caixa, com sua maleta de roupas nos braços, toda desengonçada, usando jeans, all star e camiseta do AC/DC. “Por que raios eu tinha que aceitar fazer essa peça em período de trabalho?”, ela acabara de sair da escola, a mala estava muito pesada e, como havia descido longe do lugar em que se apresentaria, teve que carregar sozinha todas aquelas coisas. “Se eu fosse um pouco menos cabeça dura, não pensasse que sou a melhor atriz do mundo e enfiasse na minha cabeça que teatro é coisa de desocupado, mas não! Eu fico aqui, inventando moda, pobre, sem carro e com um monte de bugiganga”, ia praguejando a vida por escolher participar da peça e estar atrasada.
Chegando ao local, preparou sua voz, pediu água com açúcar e tentou concentrar as energias, acendendo um incenso, quando o diretor da peça entrou tossindo.
-O que é isso Carolina? Apaga essa porcaria – tirou ele o incenso da mão dela e fez voar longe – você está duas horas atrasada! – disse ele enérgico gritando, ela se segurou pra não chorar e pra não esmurrar a cara dele.
-Desculpa Patrick. – abaixou a cabeça abotoando a roupa preta que ficava colada em seu corpo esguio e firme, quente e suave.
-Eu não tenho que desculpar nada, você que se vire, porque estou abandonando isso aqui! Tem menos de 15 minutos para entrar! Chegou junto com público. Não vou manchar a minha imagem por sua culpa.– o ódio dela era muito e não conseguiu mais se controlar, diante do que ouviu e acabou gritando com Patrick.
-Quer sair daqui seu imbecil sem noção? Saia! Eu escrevi a peça, eu ensaiei por conta umas três vezes, de sete encontros, eu preparei a merda do figurino e você vai ganhar o nome por me trazer aqui? É mesmo patético! – ela erguia os braços e olhava para o teto, fazendo grandes gestos - Deixe que eu cuido de tudo isso sozinha, como sempre fiz! – as lágrimas prestes a escorrer, ela apontava o dedo para a cara dele, que deixou o lado “bicha revoltada” sair, gritando mais alto do que Carolina.
-Eu sou a alma, o nome e o motivo dessa peça falida estar aqui, sua ingrata! Você tem a cara de pau de chegar na hora da peça e insinuar que fez tudo sozinha?! – ele tinha as mãos na cintura e os olhos arregalados - Se você quer assim baranga estúpida, pois que seja!
-Eu trabalho! Eu sustento a minha casa! Eu dependo do dinheiro pra viver e EU, mais do que tudo amo a minha profissão e não deixaria mais de 150 alunos sem aula, jogados na rua mais cedo, fazendo sabe Deus o que, para dar um pouco de lazer a meia dúzia de hipócritas, do seu estilo, que só lembram de assistir teatro independente no festival e saem por aí enchendo os bolsos desses atores globais de quinta, que você e diretorezinhos de merda insistem em patrocinar!
-Quer saber sua lambisgoia patética? Vá à merda com sua peça derrubadinha e sem qualidade! É assim que essas sem terra agradecem! – Ele se virou e saiu praguejando.
Patrick saiu de lá vermelho, quase explodindo e Carol estava muito abalada. A produção não se meteu na discução, sabia bem o que aconteceria se alguém chegasse perto de Patrick Santoro tentando acalmá-lo em uma crise de histeria e, francamente, defender uma atriz de quinta categoria, desconhecida? Não, ninguém estava muito abalado com a cena.
Carol limpou as lágrimas e tentou se concentrar de novo. Procurou os últimos responsáveis pela atração, acendeu outro incenso e subiu no palco para iniciar seu monólogo, que falava do extremo da paixão feminina, com citações de letras de sambas brasileiros, utilizando expressão corporal.
(Flashback off)
Nenhum comentário:
Postar um comentário