Reinações Múltiplas: Amor Latino - parte 1
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Amor Latino - parte 1


Lenah tirou o cabelo dos olhos e ergueu a cabeça para ver melhor aquele monumento. La Casa Rosada. Estava, oficialmente, na Argentina. Já não tinha reuniões, nem encontros, apenas o tempo livre que gostaria de dispor para aproveitar os dois dias que restavam. Um sorriso foi exposto em seus lábios cheios e ela entrou no taxi decidida.

Flashback.

Fazia quase dois anos que aquele era o maior nome do cinema, na América Latina. Lenah Muller alcançou um status maior com seu povo latino do que com os americanos que lhe deram a oportunidade, ou com seu próprio país, o Brasil.
Começou nos fundos de um teatro amador, passando por companhias curitibanas e chegando ao festival, onde expôs um monologo em inglês, sua segunda língua por criação. De lá, em algum tempo já havia conquistado a olheiros e sido levada para apresentações entre o Texas e Oklahoma.
Nada que fosse absolutamente especial, mas foi o pontapé inicial para seu trabalho como atriz. Teve que afiar seu espanhol naqueles tempos, porque quando mencionava o fato de ser brasileira era rapidamente taxada como latina e, consequentemente, como falante nativa de espanhol.
Indisposta a dar aulas de geografia para moradores do primeiro mundo, Lenah sorria e respondia em um portunhol que a envergonhava. Foi o que a levou a fazer algumas classes e descobrir um pouco mais da cultura latina que fazia parte de sua essência e, ao mesmo tempo, não tinha nada a ver com quem ela era.
O desconhecido tende a ser estranho e Lenah, a princípio, não gostava da língua. Achava o som interessante, as vezes até bonitinho, mas tinha alguma coisa ali que a barrava. A verdade é que precisava de uma motivação.
Foi quando conheceu Sofia Vergara.
Se Shakira a deixava embalada e parecia uma colombiana interessante, se deparar com aquela atriz colombiana em ascensão foi o primeiro passo para que todas as relações profissionais de Lenah mudassem.

- Quer dizer que você é brasileira?
- Sou. – Ela sorriu simpática.
- E samba?

Era uma pergunta tão comum que já não a deixava constrangida. Lenah respondeu que não, explicou que era do sul, tentou dizer que o Brasil era o quinto maior país do mundo e que as regiões dentro do mesmo território eram semelhantes a diversos países em um só país.
Em suma, tentou, em vão, mostrar que não havia relação entre curitibanos e carnaval.
Sofia achou a atitude da moça muito engraçada e simpatizou com ela logo de cara.
- O que pensa de ir com a gente a uma boa rodada de lucha libre?

Não era todo dia que uma mulher linda, bem sucedida e arrumada convidava Lenah para sair com ela e sua família até aquele tipo de evento. Definitivamente, talvez estivesse se interessando demais pelo que antes não a agradava.
Lenah aceitou e ficou impressionada com o que se deparou. Não apenas pelas lutas, que eram realmente emocionantes, mas principalmente pela maneira como aquela gente a tratava. Como se fosse da família e estivesse com eles há tantos anos quanto poderia contar nos dedos.
Foi uma noite divertida, regada de golpes e muita bebida que a fez sentir parte de um pedacinho da colônia latina nos Estados Unidos.
Sua segunda parada, após a noite irreverente com Sofia, foi um evento beneficente, no qual Sofi não pode comparecer e mais do que depressa indicou Lenah como substituta.
- Tenho uma amiga belíssima, que fala inglês muito bem, é brasileira. Quase uma Audrey Hepburn latina, com mais curvas, evidentemente. Charmosa, elegante e simpática, vai fazer o maior sucesso nas telonas...
O texto foi bastante convincente e a brasileira teve um papel de destaque na apresentação do evento.
Usava um visual “bonequinha de luxo” para dar razão às palavras de sua nova amiga. Estava desacompanhada, embora não tivesse ficado sozinha por muito tempo, já que dois ou três executivos se aproximaram interessados naquele rosto bonito e simples, combinado ao corpo sutilmente sedutor.
A festa lhe rendeu um contato para publicidade em uma propaganda de telefones móveis, além de ter descoberto algumas celebridades que, antes, nem haviam lhe passado pela cabeça como latinas.
Mark Anthony se apresentou, seguido de Paulina Rubio. O evento parecia bastante agradável e as pessoas que se aproximavam, além da produção, pareciam sempre muito atenciosas e gentis.
Lenah se surpreendeu bastante naquele primeiro evento, mas dali adiante os contatos só aumentaram e, felizmente, renderam uma carreira sólida e inteligente.
Seu primeiro longa-metragem teve produção canadense, filmagem americana e direção mexicana. Ela descobriu que o cinema e a TV nunca são unânimes e que é bom conquistar um clã para garantir os próximos trabalhos.
Foi o clã latino que a acolheu, fazendo daquela brasileira um nome de referência entre as celebridades latinas que viviam nos Estados Unidos e rendendo um papel permanente em uma telenovela, de produção mexicana, filmada na Califórnia.
Algo surpreendente, do ponto de vista de uma brasileira que, ironicamente, não era conhecida no Brasil. Esse foi o tema de sua primeira conversa com Guy Ecker, conterrâneo que dividia da experiência em ser bem sucedido fora da terrinha verde e amarela.
- Eu me surpreendi tanto quanto você no início da carreira, não tem como não levar um choque. Principalmente cultural.
- Você sente falta do Brasil?
- Sinto, é claro que sim. Mas agora tenho uma vida aqui, uma carreira, uma família. É difícil voltar e abandonar uma história. Mesmo assim, quando sobra um tempinho estou por lá.
- Minha família está lá e, bem, eu estou sozinha aqui. Meus avós vieram me visitar, mas não os brasileiros, sou descendente alemã.
- Acontece, no Brasil a miscigenação é uma loucura.

O papo fluiu e rendeu um jantar na casa de Guy. Ele era casado, mas a verdade é que o foco do bonitão não foi levar a prendinha para a cama, senão apresentá-la para seu filho Jon Ecker, a primeira relação extra-oficial latina que Lenah teve nos Estados Unidos. Um bom negócio por sinal.
Dali em diante as reuniões entre Miami, Los Angeles, Ciudad de México e Cancún só tenderam a aumentar. Lenah foi capa da People en Español duas vezes naqueles dois anos, além de ter apresentado os Premios Lo Nuestro e ter concorrido às premiações dos melhores da TV latina.
Sua carreira alavancava e Zoe Saldana havia conseguido um excelente contato para o segundo longa de Lenah, que já havia sido rodado e estrearia naquele mesmo ano. Tudo estava excelente, com exceção de seu coração, que andava sozinho e sem ânimo de investir em um amor.

- Uma mulher tão linda, sozinha?
Era a pergunta que ouvia de apresentadoras de programas matinais. Lenah costumava sorrir, sabendo que ninguém acreditaria e que, na mesma semana, os tabloides fariam de seus encontros casuais com amigos e criaram algum motivo para fazer deles seus novos pares românticos.
Um pouco daquele glamour todo era cansativo, mas o trabalho era compensatório e ela se apaixonava cada vez mais pelo que fazia. Chegando ao ponto de fazer, realmente, muito bem. Beijos em chamas era o nome da próxima novela que gravaria no México, estava residindo moradia por lá e gostava de seus novos amigos, parte do elenco da novela e alguns contatos da produção.
Um dos contatos que havia feito nos últimos meses era um casal encantador, Larissa e Noel. A brasileira era uma velha conhecida dos festivais de teatro por onde Lenah passara e estava namorando um dos homens mais desejados da América Latina, o poeta e romântico Noel Schajris.
Um argentino de projeção internacional, que havia feito parcerias maravilhosas ao decorrer da carreira e que encantava Lenah pela maneira doce com a qual tratava as mulheres e a vida. Se tornaram amigos rapidamente e, com a proximidade de Larissa, eles haviam se tornado íntimos nos últimos meses.
- Você devia passar mais tempo aqui.
- Não tenho tempo, estou cheia de coisas pra fazer.  No próximo mês viajo pra Itália, vai ser um sufoco.
- Cenas da novela?
- As cenas mais agradáveis por sinal. – Lenah se encantava em conversar sobre as peculiaridades de sua nova vida. Havia passado uma semana no Brasil matando saudades, podia se considerar recarregada e estar naquela chácara tão maravilhosa de Noel e Larissa era ainda mais reconfortante. Sentia que a vida era muito carinhosa com ela e gostava de se sentir amada, em meio aquela natureza mexicana que explodia nos olhos a beleza da essência terrestre.
- Quero que volte aqui antes da viagem, o que acha Lari?
- Excelente ideia. – Larissa segurou as mãos de Lenah. – Fazemos um almoço especial e passamos a tarde falando besteira.
- Tudo bem, mas preciso de uma companhia até lá. – Lenah estava começando a se preocupar em não dividir seus momentos com ninguém, precisava se sentir desejada.
- Eu tenho um amigo, bem...
- A não, Noel, eu lembro bem do seu último “amigo”. – Eles caíram na risada.
- Tudo bem, não tinha sido uma boa ideia, mas agora...
- Nem pensar benzinho, comigo não!
- Ok, tudo bem, pode ser. Mas depois não reclame de estar sozinha.
Lenah pensou alguns minutos e decidiu que não poderia ser tão ruim quanto o último candidato.
- Certo, você sabe como chantagear com essa carinha loira. – Ela apertou o nariz de Noel que sorriu vencedor.
- Convido ele com antecedência e você já marca na agenda o dia.
- Não vai dizer quem é amor?
- Pra você eu vou, Lari, pra ela, nem pensar.
- Ei, isso é golpe baixo!

A conversa rumou para coisas divertidas e Lenah não soube quem seria o amigo de Noel que passaria a tarde com eles. Talvez tenha sido melhor assim, porque o encontro foi uma pequena surpresa. Uma surpresa bastante interessante.

Flashbackoff.

Continua