Reinações Múltiplas: Subúrbios do Inconsciente
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Subúrbios do Inconsciente




“Há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã Filosofia”

Shakespeare.


Eu senti desde o início que isso aconteceria. Eu podia sentir de longe o cheiro daquela atração e o pior é que aquele cheiro escroto não me fazia nada bem. Se eu sentia ciúmes? É claro que eu sentia ciúmes, não tenho sangue de barata! Era o meu namorado e minha melhor amiga. Minha MELHOR amiga. Ele é homem e os homens são seres escrotos, tanto quanto aquele cheiro que exalava dos dois. Eu sentia nojo, ciúme, ódio. Mas o ser humano não controla esse tipo de instinto, controla?
Jack e eu namoramos desde o Ensino Médio. Gostávamos das mesmas bandas, das mesmas lojas de cd, dos mesmos discos, das mesmas séries, dos mesmos doces. Tipo par perfeito, mesmo. E daí? Isso salva ou dá êxtase em alguma relação? Eu pensei que sim, mas no nosso caso devia ser mais broxante ainda.
O nome dela era Caty. Tudo bem não era o nome, era o apelido. Mas lembrar o nome não me faz bem, afinal a vaca tinha o mesmo nome da minha mãe. Da minha finada e amada mãe. Da rainha dos meus sonhos, da bailarina que havia partido para dançar com os cisnes do céu. Talvez tenha sido o principal motivo de nossa aproximação, já que nunca me dava bem com nenhuma pessoa, a não ser o Jack. E vejam só como o destino foi tragicamente grego comigo!
Estou nervosa em contar essas coisas amada leitora, principalmente porque de amada você não tem nada e vai me delatar a qualquer momento. Mas não importa, preciso desabafar. Ele está próximo de mim.
Estou no Texas, em um vilarejo que lembra filmes de índios americanos. Não gosto daqui. Aqui não estou protegida e em NY estava desamparada, não sei qual o pior. Errei, sim eu errei, mas de que importa? Nunca tive amigos, nem família, então eu mereço perdão.
Na verdade eu tive família, mas ela não conta. O que uma garota que perdeu a mãe em um acidente de avião pode querer da vida? No mínimo uma avó presente e a minha vivia na rua, bebendo. Sim, minha avó era uma alcoólatra e não me envergonho disso. Não por ela, mas por mim, mesmo porque não era eu bebendo. Eu sabia que jamais faria as cagadas que ela fazia. Sabia que jamais seria o que ela era. Eu apenas chorava. Filha única, de pai desconhecido, morando com uma velha bêbada e estudando em um lugar desprezível. Por que eu tinha que ser tão diferente? Um dia, como sempre acontece com adolescentes, minha vida mudou.
Havia um garoto novo na cidade, aparentemente interessante, afinal era inglês. Sotaque diferente, roupas diferentes, gostos diferentes. Ele era perfeito. Sentou-se ao meu lado na aula de francês, as primeiras palavras são inesquecíveis, mas não vou dizer porque não estou disposta a chorar, esse drama todo não faz parte da minha vida, ordinária leitora. Aliás não devia fazer parte da sua. Mas se quiser usar a criatividade e imaginar uma frase em francês, não posso prender seu pensamento. O que é inevitável dizer é que nos sentimos unidos desde o primeiro instante. Jack e eu.
Mas o que é a vida sem sexo, rock’n roll e drogas? Nessa ordem nós nos aproximamos. No começo foi quente, atraente. Dois cabaços, eu confesso, mas era o que queríamos. Meu corpo chamava o dele, pedia bis, e o corpo dele correspondia. A primeira vez é inesquecível para as mulheres. Para as mulheres. Eles, nem se quer lembram a última. Jack e eu descobrimos afinidades musicais e esse era nosso maior prazer. Fazer sexo nem era tão gostoso. Não que eu não gostasse, mas era algo monótono. Eu sentia que ele precisava de algo novo, mas não fazia a menor questão de mudar. Imagina eu me render aos gostos de um homem. Esse meu extremismo feminista me fez perder a cabeça, embora quem tenha perdido mesmo a cabeça não tenha sido eu.
Que tal um pouco de The Beatles, Oasis, Coldplay? Uma miscelânea da arte inglesa. Era o que gostávamos de ouvir, um pouco de tudo o que caracterizava as nossas angústias, devaneios, paixões, descobertas. Algo clássico, algo novo. Eram tantas tendências. Era tanta agitação em nosso estado de bastardos inglórios e isso se traduzia em música, em arte. Mas sexo não é arte, é esporte. Ou ainda, um esporte com arte. E como não nos sentíamos tão atraídos pelo explicito da coisa, resolvemos recorrer ao terceiro item da combinação. Drogas.
Era tão bom ficar horas e horas deitada naquele ombro falando besteira, cantando, ouvindo o violão que trazia acordes nunca explorados. Era a essência e a plenitude do ser humano, bem ali em nossas mãos. Como se isso bastasse. Como são hipócritas os apaixonados, como são patéticos os homens, como são cachorras as mulheres. Eu precisava de algo, de alguém, de alguma coisa. Porque recorrer a entorpecentes se o que eu queria era vida? E eu encontrei vida. Vida até demais.
Era nosso primeiro ano de faculdade, nós duas dividíamos o quarto. Era estranho ficar tanto tempo longe do Jack, mas pelo menos estávamos próximos e tínhamos uma ou outra aula juntos. Ela estava com ele em duas aulas a mais. Eles se viam continuamente. E eu entreguei o prato de bandeja, como fui tola! Bem, não preciso entrar em detalhes nessa baboseira de faculdade, não é? Claro que a droga rolava solta, que eu ficava marcando em cima pra ele não encontrar nenhuma outra garota, que minha ansiedade era gigantesca e que mal perdia tempo estudando porque precisava ficar perto dele. Perto de nós. Eu não podia perdê-lo. Ela, no entanto, estragou tudo.
Eu tinha a companhia perfeita, uma garota popular que era minha amiga e gostava de conversar sobre qualquer coisa. Uma mulher bonita e inteligente. Uma amiga fiel e escudeira. Alguém que me consolava depois das brigas constantes com Jack. Alguém que saia comigo pra que minha cabeça não ficasse a mil. Alguém, alguém, alguém. Ela era meu oposto. Era a menininha que mamãe teria orgulho. Era quem eu, no fundo, sempre quis ser. Sabia ser desinibida e controlar a situação. Meu Deus ela era perfeita. E pior, muito pior. Ela era sexy.
Todas as vezes que se aproximava eu sentia o coração dele dilatar, o sorriso dele deixar de ser forçado, os olhos dos dois brilharem. Mas não era, de longe, amor. Era excitação. Era sede de sexo. Era vontade de gritar e rolar na cama, como dois animais selvagens, sentindo os corpos se tocando e... Uma aberração da natureza. Pura putaria, isso sim. Eu jamais faria isso.
Não pude agüentar ver aquilo. Eu precisava acabar com eles leitora! Eu precisava olhar nos olhos deles e dizer que eu sabia o que sentiam, que eu sabia o que queriam, que o perigo estava próximo. Eu precisava deixar de ter ciúmes, deixar de ser possessiva, romântica, patética e todos aqueles adjetivos horríveis que ele me dava nas brigas, mas eu não podia.
No dia 23 de abril de 2007 eu fiz. Fiz o que qualquer mulher faria, embora eu ainda fosse aquela adolescente imbecil por dentro. Naquele dia eu fui até o campus de Jack e o matei. Sim, eu o matei. Engraçado, não? Pois bem, eu não tinha veneno, não tinha arma, não tinha nada em mãos. Eu simplesmente o empurrei da janela de seu quarto e assisti o corpo se estilhaçar. Vi os cacos caindo, vi o corpo tombando, vi o campus correndo e parando em volta dele e vi minha boca mexendo, alegando ser um acidente, é claro. Eu chorei. Não à morte, mas à perda. Eu não teria mais um namorado.
Antes que a polícia chegasse fui para meu quarto e ela estava lá. Perguntou por que eu chorava. Perguntou por que eu estava abalada. E eu a respondi. Não da maneira habitual, mas com um canivete, que estava sobre a escrivaninha ao lado da cama. Respondi lutando com ela ate cortar seu pescoço. Jack nunca, jamais seria dela! Seu corpo estaria podre e sua cabeça seria removida, por mim.

Rachel Lunchy morreu em 30 de setembro de 2009, aos 20 anos, em um sanatório do Texas. Havia dois anos que estava na casa de reabilitação mental, internada pela avó. Rachel não tinha outros parentes próximos e nunca havia saído do Texas. A avó conta que a era fascinada pela Inglaterra, mas não conhecia ninguém de lá. Rachel não teve oportunidade de se formar no Ensino Médio, pois seus professores tinham dificuldade em contê-la na classe. Ela usava entorpecentes desde os 12 anos de idade. A senhora Lunchy declarou que a neta usava sua imaginação excessivamente produtiva, pintando e criando histórias o tempo todo, talvez pelo número de drogas que ingeria, ou por talento nato. Rachel conversava sozinha, parecia falar com pessoas imaginárias, alguém a quem chamava leitora. Ela foi encontrada morta no sanatório, após ser violentada por um ex- funcionário do prédio, o Senhor Jack Houns. Algumas enfermeiras alegam que Rachel falava constantemente o nome do ex-funcionário, sem nem sequer conhecê-lo. As histórias de Rachel desapareceram em Janeiro desse ano.

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