Reinações Múltiplas: Salvatore
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Salvatore

Quem tentar possuir uma flor verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela. Você nunca será minha e por isso terei você para sempre.

Paulo Coelho


Era uma noite de lua cheia. Cada centímetro de meu corpo estava tremendo, reluzindo a lâmpada do imenso abajur dourado, no criado mudo de meu quarto. Eu o esperava com a satisfação de uma serva e o desejava com a sede de um homem perdido em meio ao deserto, embora nada pudesse superar o medo que atingia meu coração. Um sentimento que carregava cada centímetro de sanidade em minha mente e deixava-me completamente vulnerável ao inesperado.

Na noite anterior sua pergunta foi simples e clara: você está pronta? Respondi que sim, com um olhar seguro que agora não reconhecia em mim. Tudo o que restava era uma imensa preocupação dilacerando minha alma. E se eu fosse fraca? Se eu não conseguisse? Se meu coração não estivesse pronto? Se houvesse arrependimento?

“Não haverá mais volta Lenah. Olhe bem para ti, nesta imagem que reflete ao espelho e sinta-se preparada, ou experimentará uma dor ainda maior.”

Era minha consciência que teimava em alertar-me em voz alta, enquanto meus braços envolviam meu corpo em um abraço forte, relutantes em hipotetisar que jamais sentiriam qualquer partícula de calor em minhas desprezíveis células. Damon Salvatore estava a caminho de meus aposentos e eu, certamente, não recuaria minha escolha. Eu o conhecia suficientemente bem para saber que seria por bem ou por mal.

Olhei para a porta de meu quarto abrindo-se devagar, era o vento, que soprava atordoado da janela aberta no corredor da escadaria. Se estivesse em outra ocasião, eu certamente sentiria medo da escuridão e das sombras que se moviam na penumbra noturna, em meio às paredes de madeira, mas naquele momento eu sabia que tratava-se de um sinal. Ele estava ali e queria passar. Atentei meus olhos para a porta que rangia e fiz o que devia fazer.

-Entre. Você é bem-vindo Salvatore.

Sua presença era imperceptível. Enquanto eu olhava para a porta amedrontável, seu corpo posicionou-se a meu lado e um sorriso ironicamente sedutor, seguido de um olhar penetrante e arrematador, que se voltou para minha face alva, repleta de espanto. Deu-se um minuto de silêncio, desde o instante em que o vi até que começasse a falar. O tempo seria infinito a partir de agora e eu poderia me perder contando os segundos na imensidão das Eras, portanto resolvi mudar meu pensamento alarmado, para um pensamento de decisão e absoluta entrega.

-Sentes temor, amor meu.

Não fosse tão lindo ouvi-lo falar daquela maneira, eu poderia sentir uma faca cortando minhas entranhas com o olhar que penetrou em minha alma. Damon podia ver-me completa e fazia-me sentir desnuda diante de seus olhos. Com um nó na garganta, aproximei minha mão de seu roto frio, pálido, esculpido, perfeito. Eu seria, mesmo, a única mulher a tocar em sua face? Perguntava-me noite após noite, quanto tempo suportaria em não me entregar completamente para aquele vampiro e agora estava como um rato, amedrontada e acuada.

-Agora que estás a meu lado, não deveria sentir-me tão tola, deveria?

Ele olhou para mim como se fizesse a mesma pergunta e meu coração dilatou quando suas mãos, de ímpeto, seguraram meus braços com força, juntando nossos corpos e aproximando sua boca de meu ouvido. Era um gesto casual entre amantes, mas conosco sempre significava algo a mais. As mãos de Damon passeavam por minhas costas e subiam até meu pescoço, até que ele apertou minha garganta, com um carinho de possuidor. Pude ver a luta em seu semblante e sentir a batalha pessoal que travava em não matar-me ali mesmo. Era tão habitual que rompesse seu ódio em paixão ao estarmos juntos, que talvez não tivesse me passado a percepção de sua luta interior.

-Diga-me Lenah, por que enlouquece-me dessa maneira?

Os olhos negros eram como uma noite de lua nova e penetravam suplicantes minhas veias, com a força de um combate. Se eu soubesse responder, se eu pudesse responder, talvez estivesse livre daquilo que me aprisionava aquele homem.

-Tens ideia de que posso penetrar sua mente? – ele perguntou com ódio, fechando o semblante e tornando-se ainda mais encantador em seu ódio repentino. Deus do céu! Quando foi que um olhar assassino e bestial tornou-se encantador para esta tua serva? – Posso acompanhar cada cena que sua maldita mente descreve e vejo tudo aos mínimos detalhes Muller. Por ventura sabias disso?

Fiz que sim, com a garganta secamente apavorada, apenas balançando a cabeça, com um aspecto de assustada. Meu coração parecia estar em um ritmo frenético há dois segundos, mas naquele momento já não havia mais nenhum coração em meu peito. Tudo em mim havia sumido e apenas os olhos negros e sedentos de Damon permaneciam no universo. Nenhum eco, nenhum som, nada além de sua sedenta imagem.

Como um animal feroz, Salvatore mergulhou sua boca na minha e os lábios gélidos se misturaram aos meus. Agora eu podia sentir que meu corpo estava em fúria e que queimava mais do que lava em erupção. Havia fogo, chamas, brasa, tudo em mim era um sabor incrível, que se misturava a palidez mais elegante e renascentista que já havia tocado minha pele. Minhas mãos, frenéticas – como todo meu corpo – puxaram o corpo de Damon agarrando-o por baixo da jaqueta de couro italiano. Nossas bocas lutavam e os lábios pareciam maiores e enfurecidos, gemendo de prazer em estarem loucos um pelo outro, até que ele quebrou o beijo com um riso alto e maquiavélico.

Olhando-me como o predador que era, Damon levantou-se e ergueu-me junto de si. Desprendeu meus cabelos, que já estavam mal presos, e minha cachoeira negra caiu sobre meus ombros, contrastando na camisola de seda. Meus olhos castanhos claros, como o mel extraído e refinado, estavam iluminados pelo luar quando, com apenas um movimento, Damon deixou-me completamente desnuda.

Minha pele em fogo, agora sentia o frio intenso vindo da ventania que se formava lá fora. Portas e janelas se abriam e pareciam assoviar, na calada da noite. Meu peito voltou a sentir meu coração, que estava completamente acelerado e arfava todo meu corpo, contribuindo em uma respiração descompassada que, em minha mente, precedia a morte.

-Faças o que tens de fazer.

Meus olhos lançaram-se aos dele nada suplicantes, mas evocativos. Eu faria aquilo por mim, por Damon, por nosso amor. Não havia nada que me deixasse mais irritada do que pensar em envelhecer e perdê-lo, morrer e não tê-lo pela eternidade, quando nosso amor poderia ser infinito.

Uma jovem da Toscana, uma italiana que ouvia os tenores locais, apaixonada pelas plantações e pelos vinhedos. Uma provinciana encantada pelas histórias de sugadores e lobos. Essa era eu. Mas e Damon? Quem ele era? Olhando para seus lindos olhos negros, para seu rosto desenhado pelos artistas renomados de Veneza, para sua boca tão intensa e deliciosa, perguntava-me quem estava em minha frente e obtinha a resposta em meu coração: esse é o homem de minha vida.

-Tens ideia de tudo o que passei para chegar até aqui?

-Não. Não tenho ideia, tu sabes que jamais ousou contar-me.

-Tens ideia de quanto significas para este monstro em tua frente?

-Jamais esperei nenhum sentimento de ti, apenas quero-te e amo-te em desespero.

Damon não me tocou, apenas aproximou seu rosto do meu e fechou seu olhos, lutando novamente com seu coração.

-Então não sabes por que irei deixar-te.

Tentei entender melhor o que havia ouvido, pois meu coração não assimilou o que eu estava transmitindo, a partir de minha mente. Ele havia dito “deixar”? E aqueles termos o que significavam na linguagem de sua espécie? Seria o que eu pensava? Não! Não poderia ser o mesmo que eu imagina, pois se assim fosse, o homem de minha vida, meu amor, Damon, me ... Meu mundo entrou em profundo caos, fazendo meu corpo partilhar do completo desespero. Eu não percebia o quanto continuava tremendo e só me dei conta de que tremia ainda mais quando ergui minha mão para tocar sua face, que mantinha seus olhos fechados.

-Tu não vais... – sussurrei, mas não pude continuar. Uma lágrima rolou na pele alva. Apenas uma e eu a beijei, já na altura de sua boca, enquanto meu rosto estampava um rio de desespero, vertendo lágrimas como uma cachoeira. – por favor... – eu sussurrei e não ousei tocá-lo mais.

-Conheço meu destino e estou certo de que não inclui ver a meu verdadeiro amor morrer ou definhar-se nas trevas. Deixarei a ti, Lenah, pois decidi esta noite que quero fazê-la feliz.

Eu pensava em dizer-lhe que para isso deveria levar-me junto de si, que eu iria com ele para trevas ou luz, sem questioná-lo. Pensava em esmurrá-lo e obrigá-lo a transformar-me, queria implorar de joelhos e fazer o que fosse necessário para estar junto de si eternamente, mas vi sua resposta antes mesmo de questioná-lo, quando seus olhos negros abriram-se e fixaram-se nos meus. Damon me amava e por isso me deixaria. Eu sabia que minha mente lhe dizia todos os meus pensamentos em um jato e que ele podia sentir minha dor. Não ousei mover-me um milímetro, sabendo exatamente o que aconteceria se eu me aventurasse a revidar sua decisão.

-Afasta-te de mim, Salvatore. Sigas a teu destino, pois acabo de aceitar o meu.

Ouvi o som de um coração partindo e percebi que estava dentro de meu peito. A mão dele não teve a decência de recostar-se em meu rosto, pois antes mesmo que conseguisse chegar até minha pele, Damon transformou-se em uma ave de rapina e um imenso corvo negro desapareceu pela janela de meu quarto.

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