Reinações Múltiplas: Manual de tortura feminino
ATENÇÃO: Este blog é pessoal e não profissional

Manual de tortura feminino


O primeiro passo é simples. Seduzir.

Eu e Danny nos conhecemos em um consultório médico. Foi rápido, simples e casual:

- Olá.

- Como vai?

- Adeus.

Quatro palavras, três sentenças, sendo uma interrogativa e duas vindas do mesmo emissor.

Não sei de onde tirei que ele pudesse ser o cara do consultório quando o vi dançando na pista de uma boate gay, onde fui com algumas amigas.

- Quer dizer que o cara do consultório é gay?

Minha melhor amiga perguntando.

- Eu acho que sim.

Eu, respondendo decepcionada, por não ter dormido três dias imaginando a porcaria de moreno alto, de olhos claros, me comendo. Tudo pra que? Pra descobrir que era gay? Ledo engano.

Dei-me conta de que eu não era gay e estava na boate. Pensei que ele poderia não ser gay e estar na boate.

- Vai lá, pergunta pra ele. Conversa, sei lá, dá um jeito.

Melhores amigas são tão legais. Primeiro te carregam pra um lugar cheio de homens que não beijam mulheres. Depois te ajudam a escolher um vestido que é dois números menor que o seu (e fazem seus seios saltarem, sua bunda pedir socorro e suas pernas ficarem grudadas o suficiente para não conseguir trocar passos que não sejam ala gueixas menstruadas). Por último, ao invés de ajudar na hora do aperto elas dizem: vai lá, se vira.

E eu fui mesmo. Mas, como uma pessoa inteligente e interessante que sou, acabei ficando sem assunto – sarcasmo - e resolvi ser direta:

- Oi. - eu falei, super interessante. E ele:

- ...

Bem, ele não respondeu por que não ouviu. Repeti:

- Oi. - e ele:

- ...

Realmente a porra de música estava alta pra cassete. Resolvi gritar:

- OI!

A música tinha dado aquela paradinha massa e o povo todo olhou pra mim, é claro. Ele se virou dizendo:

- Não precisa gritar moça. – Será que eu estava próxima demais do ouvido?

Primeiro mico da noite, então resolvi falar menos e agir mais. Deixei minha perna em evidência e passei as mãos pelos seios dizendo:

-Tudo bem? - uma cara de "aff" me olhou e nada de responder. - Lembra de mim?

Para que uma pessoa normal faz uma pergunta dessas? Na verdade eu fico muito de cara com gente burra, como eu, que pergunta um "lembra de mim" para caras como Danny Jones.

- É... (pausa de 2 segundos que duram meia hora) não?

Fico me perguntando se a paradinha na fala é pior do que a cara de interrogação dos homens nesses casos. Realmente, é uma dúvida cruel.

Resolvi continuar na estratégia "sedução mode on" e investi em me aproximar para falar e ser inteligível. A música voltou a gritar loucamente, na voz da miss dos gays, Katy Perry, em uma parceria com a nada escandalosa Lady Gaga.

Quando vi que o gato estava quase se afastando para começar a dançar, pensei "ele é gay". Não deu outra, ao invés de seguir meu plano brilhante de falar no ouvido dele sussurrando, eu gritei um "você é gay?".

Não que eu estivesse conversando com um cara em uma boate gay, que supostamente é lotada de gays, e tivesse gritado bem na hora da porra de pausa na música das divas supremas deles, voltando a ser evidência e centro das atenções de todos em um raio de 50 Km, i-ma-gi-na.

Sorte minha que viados são caras (?) compreensíveis. Eles voltaram a dançar assim que a paradinha da música se tornou mais um grito da Katy - que, aliás, gritava tanto que pensei ser a Mariah Carey voando, imagine ela balançando aqueles braços sem parar. Fala sério são a fonte de poder da voz da Mariah, se ela agita os braços voando cria ondas sonoras capazes de mover as placas tectônicas do sudoeste paquistanês - e o nosso amabilíssimo garoto do consultório se matou de rir (da minha cara?) na minha frente.

- É claro que não - depois alguém me explica o "é claro" dele, levando em conta que estávamos em uma boate gay?

- Bem, e você quer dançar comigo? - eu sei que foi brega, mas o que eu iria falar naquela hora, poxa? Dá um desconto, eu precisava grudar no cara. Afinal, três dias brincando com meus dedinhos, imaginando aquela coisa gostosa e agora com ela na minha frente, sabendo que não era um gay.

- Eu sou bi!

Pausa inesperada.

Beleza. Quem, nessa porcaria de globo terrestre, inventou essa porra de terminação utilizada para descrever viados que não tem coragem de se assumir por inteiro e mulheres que gostam de bater bolacha e não admitem? Ou se é gay ou não, cassete! E agora, na hora H, no momento clímax, no momento "wow", em que eu esperava um "claro", o cara me vem com um "eu sou bi"?

Bi pra mim é abreviatura de Bambi. Ponto.

Não que eu tenha preconceito, imagina, cada um faz dos buracos do corpo o que estiver afim. O fato - e espero que compreendam - é que eu estou sem sexo há quase três meses por só me interessar por bissexuais passivos. Isso não significa que Danny Jones fosse/seja um (ao menos, não era/é do meu conhecimento), mas aquela declaração por si só já significava que eu usaria um pinto de borracha com um cara, ou teria de me contentar mais algumas semanas com os meus dedinhos. Porra usar pinto de borracha sozinha já é foda, usar com um cara não é lá o paraíso, né? – Né?

Certo, eu estava bem traumatizada, mas segui o plano. Era à hora de mostrar para todos os presentes com quantos Bi's se faz um homem. Usei meu power seduction e comecei a dançar para Danny, sem nem dar moral para o que acontecia ao nosso redor. Sem, aliás, puxar qualquer assunto. Em momentos como aquele, apenas um bom par de pernas e uma bunda empinada em um vestido-para-sardinhas-enlatadas é que poderiam fazer alguma diferença.

Comecei a rebolar, com um estilo de molejo-sensual-latino-shakira-power-loca-loca-loca; passei uma das pernas (com muito esforço) ao redor do corpo do garoto e abracei o cara passando a mão devagar em seu ombro, encostando a boca em seu ouvido.

- Esqueci de colocar minha calcinha.

Certo, eu sei o que você está pensando. Está pensando "vou fechar esse manual e ir dormir, que eu ganho mais", mas não. Não faça isso. Dê-me mais um descontinho e não vai se arrepender.

Qual é a finalidade em dizer para um cara que está sem calcinha? Errado, ele não vai ter fantasias com a Britney Spears, leitora velha que tem tendência a pensar com reflexões do início dos anos 2000. Isso, leitora jovem e imatura, ele vai ter tesão e querer te traçar "daquele" jeito, até você dizer para que eu não sinto mais nada. Não, não, leitora falsa moralista que está em busca do príncipe encantado, ele não vai te achar uma vagabunda. Isso porque ele já te acha vagabunda, de antemão, só pelo fato de estar usando um vestido desses e se esfregar nele (pelo fato de ser mulher, pelo fato de estar em uma boate gay, pelo fato do fato que homens acham mulheres que não são a avó, a mãe e a irmã vagabudas, pelo fato...). Em outras palavras, desencana, se joga e seduz.

O segundo passo é básico, espera ele ligar.

Depois da "noite sem calcinha", em que você e ele rolaram no chão do seu apartamento/apartamento dele/apartamento de algum amigo/motel/banheiro da boate, você deve dar o telefone para o bofe.

A estratégia pra dar o telefone é a mesma de sempre. Pergunta a profissão, se for veterinário você tem um cachorrinho com hemorragia lombar aguda de nível esquizofrênico; se for advogado da vara da família, sua tia espanca a filha de cinco anos; se for cabeleireiro, acredite, você transou com um viadinho, mas dos males o menor, vai que ele te aplica um mega hair ala Anahi com 15% de desconto?

No meu caso o cara era guitarrista de uma bandinha (que devia ser emo, só a julgar pelo nome). Nessas situações, o que uma garota deve fazer para entregar o telefone - isto é, se o imbecil não pedir o seu telefone - em? Simples! Você tem uma loja de artigos musicais e vai rolar uma promoção essa semana, seguida de um sorteio de palhetas. É tiro e queda: onde tem palheta de graça, tem guitarrista.

Pois é, Danny pegou meu cartão e fez questão de me dar o número dele. Eu penso que foi pelo sexo gostoso, mas algumas amigas juram de pés juntos que foram as palhetas.

A pergunta agora é: o que fazer quando você tem o número e ele também? Liga? Não liga? Desencana? Não dá bola?

Olha, no meu caso, o cara tirou to-das às teias de aranha em um raio de 900 Km ao redor da periquita, então, eu não fiz questão de ignorá-lo na minha listinha de "pessoas que encontrei no consultório e peguei depois".

O que restou como dúvida foi: ligar ou esperar? Esperei. No dia seguinte ele estava lá, ligando, para perguntar sobre as palhetas e a competição da loja de instrumentos, mas isso foi irrelevante, afinal, ele ligou.

O terceiro passo flui. Marque um encontro.

Você está no telefone: a loja não era sua, você sente muito, a sua voz no telefone está chorando sem parar e a porcaria de Secretaria das Lojas de Artigos Musicas fechou o estabelecimento, que na verdade era de sua mãe, por falta/excesso de palhetas consumidas no interior do negócio.

Você deve estar se perguntando se essa desculpa toda cola. Olha, comigo colou. Não sei se você costuma se interessar por Jones (leia-se lerdos, sem noção, bobos, parados, caras devagar), mas como o meu era o próprio, não teve erro. Agi como vítima, fingi um choro e fui consolada pelo fechamento da loja de artigos musicais. É a lei, amiga: ação e reação.

- Posso passar aí amanhã? - ele disse.

- Não sei. - eu respondi sabiamente.

- É que eu queria mesmo saber mais sobre as palhetas. - ele rebateu, demonstrando estar na super afim de mim, embora amiga continuem dizendo que o centro das atenções fossem as malditas palhetas.

- Tudo bem. - eu respondi despretensiosamente.

- Então até amanhã. - ele desligou. Eu ri com malícia, comemorei dando um grito e deitei pra trás na cama, esquecendo que estava na ponta do colchão. Cair faz parte da vida, e eu me espatifei.

O quarto passo é bem legal. Você finge que não está afim.

Resolvi usar algo menos "sou uma piranha devoradora de homens", já que queria mostrar elegância e fingir tristeza pelo fechamento da loja, mas acho que exagerei indo com um véu preto, um vestido preto, uma meia-calça preta e um sapato, adivinha? Não, não era preto, vermelho.

- Está tudo bem com você?

Olha só como ele é fofo, gente. Eu estava com roupa de luto, segurando um lenço, fingindo chorar, soluçando entre tremeliques e ele teve a sensibilidade (ironia bem aqui) de perguntar se eu estava bem. O que é que se responde para um guitarrista bi-comedor-profissional nessas horas?

- Acho que sim.

Pois é, eu resolvi bancar a espertinha. Respondi que estava bem e desmanchei a usar meu poder de "fui à melhor aluna no teatro do colégio", chorando sem parar. Ganhei um abraço e um beijinho, foi tão... bi. Mas eu relevei, mentindo sentir calor e tirando o véu, a parte de cima do vestido e desprendendo o cabelo. Tcharam, me senti a mulher maravilha/ com ênfase em garota nota 10 da escolinha do Professor Raimundo - Sim, eu sou velha e com tendência a piadas anos 90, beijos.

Foi bem legal ver a reação. Uma boa dica é usar roupa a mais e tirar tudo quando ele menos espera. Tudo bem que no meu caso fiz isso no restaurante, o que é super brega, mas ele encarou meus peitos com o mesmo amor que eu esperava.

Conversa vai, conversa vem, falei pra ele que minha avó por parte paterna, de terceiro grau, que morava na Groelândia (por que todo mundo usa a Groelândia? Alguém aqui conhece a Groelândia? E porque tenho a sensação de já ter ouvido essa piada com o Rafinha Bastos?) tinha morrido. Ele ficou com pena é claro, então expliquei que não estava com as palhetas, mas que no testamento minha avó deixou tudo para o meu pai que era casado com minha mãe, que era dona da loja de equipamentos, que acabou sendo fechada para que eles viajassem.

Danny ficou decepcionado e perguntou como andava o processo de regulamentação das palhetas. Eu disse que estava tudo nas mãos do advogado da minha avó da Groelândia, mas como ela havia morrido e teria papéis para serem arrumados, demoraria uns três ou quatro dias para liberar a venda.

Vi os olhos dele brilharem – acho que foi porque toquei meu colo suavemente naquela hora, dando ênfase nos mamilos acesos, mas algumas amigas juram que foi pela regulamentação das palhetas - e conversamos um pouco mais, sobre... a maravilha das palhetas em um mundo globalizado, no século da evolução digital.

Detalhe, enquanto você conversar sobre assuntos aleatórios com um cara (só pra fazer ele entrar na sua e virar um cachorrinho), preste atenção nos olhos dele (mesmo que de mentira) ao mesmo tempo em que mexe seu corpo com métodos extremamente sensuais, devagar e sempre. Ele vai começar a babar e ficar excitadinho, é claro.

Quando percebi que Danny estava no ponto que eu queria (olhando meu corpo com vontade de devorá-lo, comendo biscoitos de chocolate sem parar, de tanta ansiedade), pedi para me levar em casa. O cara pensou que entraria no meu quarto, é claro, mas parou na portaria.

- Tenho que fazer um ritual para a minha avó e é algo de família, extremamente sigiloso.

Ele respondeu com um "aham" achando que eu era uma bruxa ou coisa do tipo. A dica é: deixe ele pensar que você é perigosa.

Depois disso, eu falei baixinho que para ele eu poderia contar a coisa sigilosa, já que me ajudou em um momento tão difícil de perda; e deixei que o cara pensasse que era algo muito ridículo, quando baixei o tom de voz e encostei os lábios em seu ouvido, sussurrando:

- No ritual ficam apenas mulheres, só de calcinha, com os olhos fechados em frente a uma caixa de suspiros com morango e creme de leite, sem dar nenhuma mordidinha no doce, ou misturar os ingredientes.

Tiro e queda. Subi as escadas sem nem ao menos me despedir e deixei o gato de boca aberta, tendo milhões de fantasias e taras.

Dica: descubra a sobremesa favorita do cara com quem estiver saindo e invente um ritual idiota qualquer em que as mulheres ficam apenas de calcinha.

O quinto passo, depois de deixar o cara na vontade é: deixar o cara na vontade, mais uma vez.

Mas esse você só confere se comprar o segundo fascículo: acha que vou contar minhas experiências em um Manual de uma edição e perder dinheiro? Nem pensar! – Aliás, se você for um cara, se cuida, porque está no passo quatro: ficar na vontade.


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