Moves Like Jagger - parte 2
Lamentações
Moves Like Jagger
Bem, é claro que ele precisava; afinal de contas aquilo sempre acontecia, da mesma maneira, todas as quintas-feiras (em que ele não estava viajando para lugares insignificantes, como os países nos emirados árabes, para fazer uma ou outra apresentaçãozinha para sultões trilhonários... ao menos era o que eu imaginava, exagerando sarcasticamente).
Excelente. Abaixei a cabeça - se é que eu poderia imaginar que minha feição de cabeça alta significava estar, realmente, de cabeça erguida, na linguagem dos "Master Nariz Empinado" de Los Angeles. Pobre de mim, mas abaixei a cabeça e sorri, como uma criadinha insignificante (que era) e ofereci meus serviços.
Excelente. Tudo estava correndo como o programado. Aliás, nem exatamente tudo, levando em conta que, dessa vez, o tal "imperador do sorvete de creme" estava acompanhado por uma loira. Era a namorada, eu sabia. Aliás, sabia por um motivo óbvio: gostava de jogar dardos nas horas vagas e, coincidentemente, a foto deles juntos imperava em meu quartinho imundo, nos fundos, dos fundos, de lugar nenhum.
Eu ignorei a atração em sorrir de volta e perguntar se a adorável acompanhante não sabia ler, já que o cardápio estava nas mãos dela e bastava seguir os olhos até as palavras "Sabores de Sorvetes Disponíveis".
- Vou querer um sorvete de creme (que novidade) com cobertura de (caramelo e granulados de chocolate...) caramelo e granulados de chocolate. - Ele falou e depois se voltou para a loira de peitos saltando em um top de academia. - Você vai querer o de pistache, amor?
Amor. Que palavra bonita. De acordo com o dicionário 'amor' vem do latim 'amor', 'amoris', é substantivo masculino e pode ser:
1. Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atração; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa.
Ou seja, 12 opções de enquadrar a extraterrestre loira, de peitos empinados, roupas importadas e pele perfeita que está sentada com Adam Levine em minha praça de trabalho no Bar, Restaurante e Sorveteria Trifólio Verde, em Los Angeles.
Acho que, por eliminatória, a nona opção cai bem para a cliente número um da L'Oreal 9 - Ligth Blonde, presente aqui. Afinal, de todas as palavras que analisei, 'simpática' é a que mais se encaixa a ela. Quem é 'simpática' não é mais que 'simpática' (leia-se sem sal), entende? Bem, o meu grau de ciúmes não vai permitir que associações com 'sentimento', 'agradável', 'paixão' e 'aparência positiva' sejam feitas a essa abominação rainha da Beauty Color Loiro Cinza Ultra Claro, sem chance.
Devo dizer que nesse momento fiquei um tanto quanto vermelha e quase me delatei gargalhando? Quem, nesse mundo, come pistache, morango e amendoin no mesmo "prato"? Pois é. De qualquer forma, sorri e respondi educada, seguindo, mais uma vez, o planejamento.
- Vou querer uma Pepsi com limão, e você querida? - Vou dar uma colher de chá e ignorar a procedência semântica da palavra 'querida', ou ficaria escolhendo sinônimos que diminuíssem o grau de "eu como ela e não como você" durante todo o relato dos fatos.
- Eu quero uma Sprite Zero. - ela sorriu, e eu tentei encontrar algum defeito no rosto maquiado.
Meu chefe é uma figura desconhecida que controla tudo por meio do assessor competente Jhon Smith, meu adorável gerente. A família que construiu o Trifólio é irlandesa, e pelo que parece estão na Europa mesmo. Gostam de lucrar e mandar, mas preferem a simplicidade de Dublin (palavras do meu gerente, que não deve conhecer Dublin) ao atordoado movimento da América.
Bem, não gosto muito de ficar me descrevendo, não só porque sou normal ao extremo, como porque 70% das curitibanas tem pele clara e cabelos castanhos. Algumas pessoas me confundem com a Anne Hathaway, se isso ajudar... Aliás, isso deve suprir aquela parte chata em que eu falo desde a cor dos meus olhos, até o tamanho do meu traseiro.
Acho que eu vivia minha adorável vida de extrangeira feliz muito bem e equilibrada mesmo, até o momento de aceitar trocar de turno, no segundo semestre de 2009, encontrando o meu martírio americano nas quintas à tarde.
Confesso que faria a mesma coisa se fosse um homem daquele porte, mas como sou uma mulher do meu próprio porte, me sinto indignada em ser "trocada" por uma loira aguada qualquer. Poxa, eu tenho orgulho brasileiro (ok, eu não tenho), pelo menos quando se trata do substantivo e adjetivo "mulher brasileira" unidos, em sequência, na mesma frase. Afinal, era para a latina popozuda aqui ser sensual e poderosa, não era? Ou os filmes me enganaram...
Voltei com os lanches e me concentrei em parecer menos invisível, servindo pelo lado errado, só pra chamar atenção. Uma atitude infantil e ridícula, mas fazem quase dois anos que eu estou aqui, esperando os olhinhos azuis me olharem, e nada.
Deu pra notar que estou nervosa? Mal sei o que pensar, tamanho o nervosismo em ver ela pessoalmente... com ele. Será que preciso pintar o cabelo, fazer uma plástica e tentar... não! Eu sou uma artísta! Essa mulher é uma modelo, o que a reduz a um corpinho escultural vendível. Ok, isso não foi reconfortante.
Anne repara que servi errado, mas Adam não faz nada além de mexer no celular e ignorar minha presença. Sem expectativa, resolvo armar uma pequena confusão. Decidi que nessa quinta ensolarada ele vai olhar pra mim, custe o que custar.
- Desculpe senhor, eu sinto muito! - digo abalada pegando meu paninho de bolso e esfregando nas calças dele, em uma região que faço questão de enxugar. Qualquer possibilidade de eu estar molhada nesse momento é, absolutamente, real.Em um relance que parece a eternidade (e que os filmes fariam em câmera lenta), ele - finalmente - olha pra mim.
Meia hora de silêncio psicológico e ele nem mesmo sorriu.
Quando percebi que o gerente estava por lá, ao lado do casal, tive impressão de que entrei em desespero ao ver que jamais chegarei aos pés da supermodelo, gostosa e perfeita que namora o homem dos meus sonhos. Básico.
- O pior.
- Ele não te olhou de novo?
- Olhou. - ela quase pulou da cadeira, feliz por mim e segurou meu braço.
- E isso não é o que você sempre quis? Sorria!
- Eu derramei Pepsi nele, terei 10% do salário descontado e, pra completar, a namorada top estava lá, dentro de uma roupa tão colada que deve tê-la obrigado a tirar alguns órgãos antes de vestir.
- Dios mio, no creo! - quando Lupe fica muito nervosa fala em espanhol, sem se dar conta, mas eu percebo; e percebi que estávamos sendo observados por alunos que queriam, de fato, aproveitar a aula.
- O que acha de darmos uma volta e burlar as aulas hoje?
- Te pago uma cerveja amiga. Depois dessa, quero ouvir toda a história com detalhes.