Reinações Múltiplas: agosto 2011
ATENÇÃO: Este blog é pessoal e não profissional

Moves Like Jagger - parte 2

por Franci Freire



Como se não bastasse a minha cara de taxo em pagar o maior mico naquela quinta-feira, fiquei puta em perceber que o Mister Sorvete de Creme não apareceu na semana seguinte. Era sempre assim, vez ou outra dava o ar da graça e, pluft, sumia logo em seguida... por, sabe a deusa, quanto tempo.

Se bem que, eu não devia estar tão puta e revoltada com a falta daquela delícia - que jamais me olhava ou percebia minha infeliz existência - porque alguém estava no lugar dele, usufruindo das maravilhas do pub adaptado em que eu trabalho. Se você chutar e acertar quem era a peça, te pago um sunday de morango.

Ela é loira, tem um corpo esculpido pelos deuses, cabe em qualquer roupa de liquidação em lojas de departamento, ala C&A, mas jamais usaria realmente uma das roupas de lojas de departamento, ainda que fosse a modelo capa da coleção primavera-verão e arrebatasse milhões de dólares posando com blusinhas de malha. Seus olhos são verdes, sua pele tem sardelinhas e, embora destrua corações na América, ela é russa.

E aí, ganhou um doce? Pois bem, a dita cuja aparece aqui em dias sortidos desde o incidente com a Pepsi. Eu, obviamente, evito atendê-la, mas, como garçonetes tem determinados lugares no salão que pertencem a elas e devem ser atendidos sempre que ocupados, acabei tendo a infelicidade de auxiliá-la na leitura do cardápio de cervejas e petiscos por duas vezes.

Vou explicar o funcionamento do Trifólio Verde. Basicamente, temos uma decoraçãozinha ala "trevos de quatro folhas" (super clichê para o nome) e damos algo a mais, além dos petiscos e pratos de sempre - do tipo colcannon, bubble and squeak, champ e coddle. O que nos diferencia, além dos sorvetes e da boa música regional não ianque, são os autênticos bread, Guinness, Murphy's e Beamish - devidamente importados da terrinha.

Bem, eu não sabia que a atual princesinha da Hugo Boss Green conseguisse tomar guinness como uma legítima irlandesa, mas consultando meu conhecimento nórdico (no wikipedia) lembrei que os vikings poderiam explicar essa pequena queda da russa pela cultura dos meus patrões.


Nessa quinta, sem o Adam, a russa apareceu, acompanhada de uma amiga ruça. Eu torci para que sentassem no lado oeste e deixassem o lado leste livre, assim eu não teria que atender a nenhuma das duas e seguiria curtindo meu momento "Levine is Over", mas você deve presumir que não foi o que aconteceu.

A bendita estava lá, com uma roupa jeans que faria qualquer mulher normal se sentir normal - a não ser que ela fosse uma supermodelo gostosona que namora o homem dos seus sonhos. Porque a natureza de orgulhosa brasileira não me ajudava a ser mais humilde, resolvi sair da defensiva e ataquei.

Digamos que eu não seja uma mulher feia e que meu corpinho sulista brasileiro ajude sempre que eu não estou em uma porcaria de uniforme verde de garçonete; então resolvi que ela me veria tão bonita quanto mamãe me achava, e tão excitante quanto uma passista desfilando em frente a construção civil. Assim meu superego ficaria menos maltratado.

Corri até minha amiga Mary, que atende o lado oeste, disse que precisava ir ao banheiro com urgência e que ela atendesse quem fosse chegando. A americana olhou para minha praça e depois para mim, com a autêntica cara de quem sabia que eu era louca pelo namorado da garota linda sentada na mesa em frente. Sorri e corri para o banheiro, será que meu momento invejinha era tão evidente?

Arranquei a blusa que usava em baixo do avental preto, abri os primeiros botões da blusinha do uniforme colocando o avental de forma hiper colada em mim. Peguei a necessaire no balcão da pia e passei o gloss de morango. Realssei minhas maçãs, reforcei o lápis de olho e borrifei perfume nos dois lados da nuca.

Saí do banheiro sorrindo, depois de, realmente, fazer um pipizinho de nervoso. Voltei, lavei as mãos, joguei a blusa que estava em cima da pia dentro do balcão e tornei a sair. Estava muito nervosa.

Quando cheguei no salão do pub vi alguns clientes a mais e percebi que Mary estava atarefada demais; aliás, Jhon, meu gerente, estava por lá - com cara de quem me mataria. Mas, o olhar mortífero de Jhon e o sussurro dele, prometendo me degolar em meia hora, foi o mais tranquilo da cena.

Ele estava lá. Perfeito e excitante. Aliás, eu queria correr para o banheiro de novo depois de ver a mão dele levantando na mesa e o olhar cruzando o salão até chegar de encontro ao meu, como se estivesse esperando que eu fosse até ele. E ele estava mesmo. Estava esperando ser atendido, porque havia acabado se chegar e queria fazer um pedido.

Acho que fiquei um bom tempo parada, observando a camisa branca, a calça jeans, a bota preta e os olhos azuis, porque Jhon ficou impaciente e me cutucou para ir até a mesa, antes que ele mesmo tivesse que atender ao cliente especial que acabara de chamar pela terceira vez.

Céus, eu quase tive um orgasmo por uma olhadinha de cliente para garçonete, imagina se ele me olhasse como estava fazendo com a namorada naquele momento de habitual "ignore a garçonete e se declare para a top model"?

- Eu também te amo. - foi tudo o que eu ouvi ela dizer, antes de sorrir e dar um beijinho na boca dele.

Respirei e contei até um, mentalmente.

- Pois não, senhor?

- Você... - ele desviou o olhar para mim e depois baixou para o meu colo, arqueando uma sobrancelha. Eu estava quase desmaiando por ele ter olhado, finalmente, para os meus peitos quando o deus grego segurou, casualmente, uma correntinha de prata que eu levava no pescoço, voltando a olhar para o meu rosto. - Levine?

Como eu posso explicar que fiquei vermelha como um pimentão e quente como azeite na frigideira a 180° C? Bem, acho que já expliquei. Fiquei vermelha como pimentão e quente como olho na frigideira! A mão roçando em meu colo, por uma fração de segundos e, em seguida, aquela indagação...

Fiquei morrendo de vergonha, porque esqueci de tirar a corrente no banheiro e deixei a bendita peça à mostra. Eu encomendei uma daquelas peças depois de ver uma foto antiga da Aguilera com o nome pendendo lindamente em uma correntinha. Não quis por o meu nome, mas não foi por mal... é que na noite anterior ao resolver fazer a tal corrente, tinha visto o Adam pessoalmente pela terceira vez e conseguido meu primeiro orgasmo de cinco minutos pós dedos leves. Foi incrível!

- É... bem... eu... Sou Lenah Muller Levine, senhor. - Foi a melhor desculpa que eu arranjei naquele momento, levando em conta que esqueci completamente de que era fã do cara e poderia falar a verdade. Embora, na hora, a verdade para mim se assemelhasse muito mais a minhas mãos girando em círculos e meus gemidos gritando o nome da criatura mais tesuda que eu jamais teria.

- Legal.

Foi o que ele disse, antes de me ignorar mais uma vez e fazer seu pedido.





Lamentações

Existem alguns motivos pra eu me sentir humilhada nessa porra. Não dá pra enumerar porque o sentimento é forte demais. Fico absolutamente descrente de tanta merda que tenho que ouvir e de tanta afronta que preciso engolir. Vou embora, não suporto mais e, definitivamente, preciso documentar isso para que não esqueça o ódio que me corrompe ao ouvir algo, que eu amo tanto, sua imagem denegrida.
E o que você faz, maldita? Se cala diante das inúmeras injúrias e dos imbecis, que pensam ser os reis do universo.
Há tanto o que pensar e tão pouco o que fazer. Não sei por onde ir, mas preciso chegar em um lugar, com máxima rapidez.
É um plano de fuga, como tantos outros malditos planos de fuga que tive durante a vida.
Se fugi, creio que o fiz por um lugar errado, já que estou em um deserto de sentimentos cálidos que me assombram de maneira escandalosa. E o que ele tem a ver comigo? Bem, ele sempre tem a ver comigo. Sempre está ali, a cerca dos sentimentos, tentando significar mais do que realmente é, e fazendo o meu coração em pedaços, com comentários malditos.
Ontem eu estava tão feliz, por Deus!
Ainda ontem, o sol estava em minha alma como se as nuvens que encobriam a cidade nem sequer existissem. Mas hoje...
Hoje, cá estou, sentada em uma poltrona que alguns julgam confortável... fazendo o que não quero fazer, sentindo o que não quero sentir. Lutando com palavras, para fugir do que me é inevitável.
Maldito seja o destino. E por todos os deuses, o que tenho que suportar para provar que sou capaz de ser melhor do que eu realmente sou.
Não sou, não o quero ser. Detenho-me a cada passo por pensar mais em tudo o que me cerca e em mim, do que naquilo que devo fazer para me manter viva.
Não quero viver se não for feliz. Sim, Aristóteles, o homem vive em busca da felicidade, do ser que o faça feliz. De um fodido momento de paz, que, de certa forma, só está em nós quando rejeitamos o que é inevitável. Mas, até encontrar o caminho que devemos seguir para que esse momento se faça presente, é inegavelmente necessário sofrer.


Se hoje sofro, deixo claro que não é por minha opção. Escolhi ser feliz e vim até onde o destino me trouxe, tropeçando e ralhando com ele, mas cheguei. Acho que sempre fui um monte de cacos colados e que caminhei me despedaçando, centímetro por centímetro. Agora preciso acreditar em mim e naquilo que está dentro do meu coração, ou tudo vai apagar fácil demais.

O destino está duelando com as minhas emoções e é esse o ponto. Preciso de equilibrio, mas não o tenho quando sofro demais; quando olho para o maldito lado e vejo tanto tempo jogado fora, em um olhar que poderia ser meu e que poderia perceber o meu, mas que ao invés disso, resolve vingar-se de, sabe a deusa o que mais, e desconta em mim sua ira inconsciente.
Se nossos corações já estiveram, em um passado remoto, circulando o mesmo ar... então ele saberá que me fez sofrer e sabia mesmo antes de o fazer e, por Deus que desejo com todas as minhas forças, que tenha sogfrido por mim antes de apunhalar-me pelas costas.
Necessito que tenha sentido o gosto amargo do desespero, do estar preso em um corpo que não é dele, de estar sofrendo por algo que é inútil e de não ter o que ama como fonte daquilo que é.
Em especial que não tenha sentido o sabor de ouvir palavras cálidas vindas de mim quando escolheu me fazer sofrer. E se eu fui de acordo com isso, devia estar sendo amarrada, precionada ou estar louca. Como eu pude escolher esse destino, se não o suporto? Se para mim essa trama é o caos que me invade e sobrecai em mim, matando-me lentamente; como em uma constante tortura.

Não é a primeira vez, nem tão pouco será a última. Estou fadada a ser aquela que chora copiosamente no final da história, por um final infeliz.

Preciso de um abrigo e resolvi me recolher, porque o melhor de mim está dentro daquilo que eu finjo ser. Como não posso ter coragem de mostrar aquilo que sou? Como posso fingir e fingir cada vez mais?
Nesse instante sinto um buraco instalar-se dentro de mim, com ondas de desespero que sobem e descem. Deve ser o excesso de café. E eu que não fumo... Posso começar um novo vício se for necessário, mas aonde vai me levar, se nada a que tenho vício me salva?

Não posso acreditar que meu destino seja cruel nas mãos dos deuses, mas posso acreditar que esteja pagando por ser parte de uma prole. Injustiça maldita de todos os lados. Não sou aquilo que me liga. Não sou o sangue que me corre. Por que, raios, devo estar fadada a ser infeliz, quando procuro a felicidade com toda a minha alma?

Não sei o que pensar de mim, nem sei se quero, de fato, pensar em algo. Ele está ali, tão perto, tão ao lado, tão carinhosamente obestinado a me matar. Um anjo vingador? Pode ser que sim. Um ser submisso a vontade de um mestre qualquer que queira me ver no chão.
Por que? Simples, porque sou forte. Ou fui. Ou era. Só Deus sabe até onde eu devo correr para me esconder de todas as debilidades que me cercam.

Eu que queria ser mais que uma pessoa normal, agora estou vivendo a anormalidade de ser uma dramática infeliz. E tudo o que eu amo. Tudo o que eu sou, se desfaz em um tempo fragmentado, que banha meu caráter de ódio, rancor, desespero, obestinada lástima. Sentimentos que se sobrepõem ao amor, que jamais me abandona e sempre quer estar ao meu lado, banhando-me com sua esperança.

Por que eu? De todas as almas que voam para os lados, para cima e para baixo, apenas uma foi condenada a sentir os horrores de amar sem que o amor, de fato, lhe rodeie?
Opiniões diferentes, pessoas com outras visões... e sem nenhum respeito pelo amor. Pela breve e impecável cortesia. Pelo sabor doce da gentileza. Pela inocência da discrição.
Não, eles não são como eu. E eu prefiro que não se igualem a mim, pois cada partícula de quem eu sou significa amor. E cada partícula de quem eles são significa guerra. Lutar por amor seria bonito, interessante e comovente. Mas lutar por lutar, sem ter certeza do que está a sua frente, ferindo qualquer um que esteja em seu caminho, sem pensar em sobreviver, apenas em vencer, essa luta eu dispenso.

Não consigo deixar de chorar. O meu coração está coberto de lágrimas que escorrem em meu ser, e nesse momento estou pálida de descrença.
Se Deus tem tanto poder, deveria usá-lo. Há outros necessitando mais que eu? Pois bem, nem esses são olhados, como posso eu ser digna da pena do soberano?
Se zombo? Não faço menos que perguntar coisas tão simples que deixam a soberania farta de mim. Acho até que estava farta antes de me colocar os pés no chão, mas, ainda assim, teve um pouco de piedade em me deixar viver mais uns pares de anos, até que chegasse na idade flanca para despencar de um penhasco, repleta de sangue seco por todos os lados... vindos do coração que se havia partido há tantos anos.
De que me serve a mente, se o coração está em frangalhos?
Pois que levem todo o meu dinheiro, pensamentos, inteligência e o amor que sinto por coisas banais, se meu coração for consertado.
Como Cian, quero que o músculo volte a pulsar e que bata tão forte quanto seja possível. Longe daqui. Longe dele. Longe da penumbra que é a sua voz, cortando a minha alma de lado a lado, por querer ser mais do que eu posso ser, e desfrutar da ignorância de me abominar com seu descaso maldito.
Quero que sofra. Que pague por cada um dos malditos momentos que me fez desfrutar. Que olhe para mim no momento de sua morte e leve a imagem da dor que me causou, consigo. Quero que jamais regresse e que deseje sofrer por si mesmo, arrancando-se aos olhos e engolindo-os. Quero que sofra tanto ou mais do que eu, e quero que sofra por mim.





Moves Like Jagger



por Franci Freire



O astro rei. Aquele ego do tamanho do mundo e o olhar de felino perigoso arrasariam um milhão de corações adolescentes, despreparados para aceitar a visão de morenos, altos, de olhos azuis.

Ele precisava entrar sem camisa? Precisava passar por mim, deixando o rastro de perfume, e caminhar até a praça que eu atendia?

Bem, é claro que ele precisava; afinal de contas aquilo sempre acontecia, da mesma maneira, todas as quintas-feiras (em que ele não estava viajando para lugares insignificantes, como os países nos emirados árabes, para fazer uma ou outra apresentaçãozinha para sultões trilhonários... ao menos era o que eu imaginava, exagerando sarcasticamente).

Excelente. Abaixei a cabeça - se é que eu poderia imaginar que minha feição de cabeça alta significava estar, realmente, de cabeça erguida, na linguagem dos "Master Nariz Empinado" de Los Angeles. Pobre de mim, mas abaixei a cabeça e sorri, como uma criadinha insignificante (que era) e ofereci meus serviços.

- Seu pedido, senhor?

Ele me ignorou por completo, sabendo que eu estaria ali até que ele resolvesse, em seu mundo dourado, quando e como eu estaria ali; faria o pedido e voltaria a me ignorar; até eu entregar o lanche, ele oferecer um 'obrigado' automático e só lembrar de mim (eu deveria dizer "lembrar do andróide serviçal?") no momento de fechar a conta.

Excelente. Tudo estava correndo como o programado. Aliás, nem exatamente tudo, levando em conta que, dessa vez, o tal "imperador do sorvete de creme" estava acompanhado por uma loira. Era a namorada, eu sabia. Aliás, sabia por um motivo óbvio: gostava de jogar dardos nas horas vagas e, coincidentemente, a foto deles juntos imperava em meu quartinho imundo, nos fundos, dos fundos, de lugar nenhum.

A adorável acompanhante (adorei empregar esse termo para a namorada inconveniente dele) sorriu para mim.

- Vocês têm sorvetes de pistache?

Eu ignorei a atração em sorrir de volta e perguntar se a adorável acompanhante não sabia ler, já que o cardápio estava nas mãos dela e bastava seguir os olhos até as palavras "Sabores de Sorvetes Disponíveis".

- Temos, sim senhora.

Pois é, eu precisava ser uma boa atendente, então segui o planejamento e sorri, respondendo com educação.

- Vou querer um sorvete de creme (que novidade) com cobertura de (caramelo e granulados de chocolate...) caramelo e granulados de chocolate. - Ele falou e depois se voltou para a loira de peitos saltando em um top de academia. - Você vai querer o de pistache, amor?

Amor. Que palavra bonita. De acordo com o dicionário 'amor' vem do latim 'amor', 'amoris', é substantivo masculino e pode ser:

1. Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atração; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa.

2. Sentimento intenso de atração entre duas pessoas; paixão.

3. Ligação afetiva com outrem, incluindo geralmente uma ligação sexual.

4. Ser que é amado.

5. Disposição dos afetos para querer ou fazer o bem a algo ou alguém.

6. Entusiasmo ou grande interesse por algo.

7. Coisa que é objeto desse entusiasmo ou interesse.

8. Qualidade do que é suave ou delicado.

9. Pessoa considerada simpática, agradável ou a quem se quer agradar.

10. Coisa cuja aparência é considerada positiva ou agradável.

11. Ligação intensa de carácter filosófico, religioso ou transcendente.

12. Grande dedicação ou cuidado.

Ou seja, 12 opções de enquadrar a extraterrestre loira, de peitos empinados, roupas importadas e pele perfeita que está sentada com Adam Levine em minha praça de trabalho no Bar, Restaurante e Sorveteria Trifólio Verde, em Los Angeles.

Acho que, por eliminatória, a nona opção cai bem para a cliente número um da L'Oreal 9 - Ligth Blonde, presente aqui. Afinal, de todas as palavras que analisei, 'simpática' é a que mais se encaixa a ela. Quem é 'simpática' não é mais que 'simpática' (leia-se sem sal), entende? Bem, o meu grau de ciúmes não vai permitir que associações com 'sentimento', 'agradável', 'paixão' e 'aparência positiva' sejam feitas a essa abominação rainha da Beauty Color Loiro Cinza Ultra Claro, sem chance.

- Vou querer de pistache sim, querido. Com cobertura de morango e amendoim.

Devo dizer que nesse momento fiquei um tanto quanto vermelha e quase me delatei gargalhando? Quem, nesse mundo, come pistache, morango e amendoin no mesmo "prato"? Pois é. De qualquer forma, sorri e respondi educada, seguindo, mais uma vez, o planejamento.

- Deseja mais alguma coisa senhor? Senhora?

- Vou querer uma Pepsi com limão, e você querida? - Vou dar uma colher de chá e ignorar a procedência semântica da palavra 'querida', ou ficaria escolhendo sinônimos que diminuíssem o grau de "eu como ela e não como você" durante todo o relato dos fatos.

- Eu quero uma Sprite Zero. - ela sorriu, e eu tentei encontrar algum defeito no rosto maquiado.

Não encontrei. Sorri, anotando o pedido e seguindo o protocolo de serviçais desesperadas no primeiro encontro com a rival-mor, e fui buscar os sorvetes logo após pedir licença.

Ok, preciso deixar algumas coisas claras por aqui, verdade? Sou Lenah Muller, estudante da Los Angeles Arts Academy; Tenho 22 anos, faço o curso de Arte em Cerâmica; vivo o péssimo hábito de ser eclética em quase todos os ramos da vida; nasci no Brasil, moro em Los Angeles desde fevereiro de 2009, quando minha tia solteirona resolveu apostar em minha arte e financiou metade dos meus estudos, a outra metade é a bolsa que recebi em um concurso cultural de Curitiba que dá conta. Quando não estudo, trabalho, como deu pra notar.

O Trifólio Verde é um pub adaptado, localizado no litoral sul de Los Angeles. Por aqui passam os maiores nomes de artistas internacionais, em momentos casuais repletos da felicidade que os milhões de dólares são capazes de comprar.

Meu chefe é uma figura desconhecida que controla tudo por meio do assessor competente Jhon Smith, meu adorável gerente. A família que construiu o Trifólio é irlandesa, e pelo que parece estão na Europa mesmo. Gostam de lucrar e mandar, mas preferem a simplicidade de Dublin (palavras do meu gerente, que não deve conhecer Dublin) ao atordoado movimento da América.

Bem, não gosto muito de ficar me descrevendo, não só porque sou normal ao extremo, como porque 70% das curitibanas tem pele clara e cabelos castanhos. Algumas pessoas me confundem com a Anne Hathaway, se isso ajudar... Aliás, isso deve suprir aquela parte chata em que eu falo desde a cor dos meus olhos, até o tamanho do meu traseiro.

Divido um pequeno apartamento com uma amiga mexicana, Maria Guadalupe Montañes; popularmente conhecida como Lupe, por motivos óbvios. Nós nos damos muito bem desde que nos conhecemos no curso (e, se isso ajudar, ela parece a Thalia, mas com uma barriga três vezes maior - o que, no fundo, faz dela uma pessoa normal, já que a barriga da Thalia é um insulto para qualquer ego feminino). Lupe tem uma organização invejável e eu uma desorganização lamentável, então nosso quartinho alugado e aos mofos não é lá um paraíso, nem um inferno na Terra.

Acho que eu vivia minha adorável vida de extrangeira feliz muito bem e equilibrada mesmo, até o momento de aceitar trocar de turno, no segundo semestre de 2009, encontrando o meu martírio americano nas quintas à tarde.

Eu juro que queria dizer que Adam é um homem bom e adorável, mas a verdade é que ele é um gostoso egocêntrico, então prefiro ficar com a verdade. Desde o primeiro segundo em que cravei os olhos nele, pessoalmente, tive noção de que minhas noites não seriam bem dormidas sem companhia. Em outras palavras, ele me excita.

Cada partícula daquele homem soa como um ultraje a minha essência feminina. Parece que tenho um imã com aqueles olhos azuis, que nunca me vêem. Sabe o que é ser olhada e não ser vista? Pois bem, eu acho que poderia escrever centenas de livros explicando a sensação, porque é exatamente o que ocorre todas as malditas quintas-feiras, quando ele está na cidade.

Adam é um homem de hábitos, que gosta de manter o controle em tudo aquilo que faz. Ele finge um descaso com as coisas que pratica, mas no fundo até os "acasos" são calculados. Em parte, acho que é isso o que me afasta de seu grau de visão e faz com que a atendente da sorveteria não passe de uma atendente de sorveteria, para ele.

Confesso que faria a mesma coisa se fosse um homem daquele porte, mas como sou uma mulher do meu próprio porte, me sinto indignada em ser "trocada" por uma loira aguada qualquer. Poxa, eu tenho orgulho brasileiro (ok, eu não tenho), pelo menos quando se trata do substantivo e adjetivo "mulher brasileira" unidos, em sequência, na mesma frase. Afinal, era para a latina popozuda aqui ser sensual e poderosa, não era? Ou os filmes me enganaram...

Ótimo. Parando de pensar besteira, lá fui eu pegar o pedido já preparado dos sorvetes. Não é difícil ou chato, porque eu adoro trabalhar no Trifólio Verde e ganhar para fazer coisas básicas, como servir lanches.

Voltei com os lanches e me concentrei em parecer menos invisível, servindo pelo lado errado, só pra chamar atenção. Uma atitude infantil e ridícula, mas fazem quase dois anos que eu estou aqui, esperando os olhinhos azuis me olharem, e nada.

Eu mencionei que a namorada do cara que nunca me olhou é nada menos que uma angel da Victoria's Secret? O nome da vaca é Anne Vyalitsyna. 25 anos, russa, 1,78 m, pisciana. Quer mais? Já namorou o Leonardo Di Caprio. E você pergunta: e daí? E daí? E daí que o Leonardo Di Caprio namorava a Gisele Bündchen antes e, como brasileira, sulista, me sinto ofendida em dividir dois homens com essa russa de quinta. Ainda que nenhum deles tenha qualquer relação comigo (além de ambos já terem tomado sorvete de creme no lugar em que eu trabalho).

Paranóia é uma palavra muito forte pra essa situação, afinal eu estou apenas juntando os fatos. É fato que eu fico maluca com o homem alheio. É fato que "essazinha" atacou uma antiga propriedade brasileira. É fato que Rússia e EUA não tem um bom histórico. É fato que nessa Guerra Fria o Brasil fica do lado americano. Logo, eu tenho o dever de considerar a loira aguada insuportável.

Deu pra notar que estou nervosa? Mal sei o que pensar, tamanho o nervosismo em ver ela pessoalmente... com ele. Será que preciso pintar o cabelo, fazer uma plástica e tentar... não! Eu sou uma artísta! Essa mulher é uma modelo, o que a reduz a um corpinho escultural vendível. Ok, isso não foi reconfortante.

Anne repara que servi errado, mas Adam não faz nada além de mexer no celular e ignorar minha presença. Sem expectativa, resolvo armar uma pequena confusão. Decidi que nessa quinta ensolarada ele vai olhar pra mim, custe o que custar.

Derrubo a Pepsi nas calças de Levine e ele solta um som que se assemelha a um xingamento, mas estou rezando para que a primeira palavra dirigida especificamente a mim por ele não seja um "puta que pariu".

- Desculpe senhor, eu sinto muito! - digo abalada pegando meu paninho de bolso e esfregando nas calças dele, em uma região que faço questão de enxugar. Qualquer possibilidade de eu estar molhada nesse momento é, absolutamente, real.Em um relance que parece a eternidade (e que os filmes fariam em câmera lenta), ele - finalmente - olha pra mim.

- Não foi nada.

Meia hora de silêncio psicológico e ele nem mesmo sorriu.

Quando percebi que o gerente estava por lá, ao lado do casal, tive impressão de que entrei em desespero ao ver que jamais chegarei aos pés da supermodelo, gostosa e perfeita que namora o homem dos meus sonhos. Básico.

Foi uma tarde daquelas, eu confesso. Adam ganhou um mês grátis e eu tive 10% do salário descontado. Não bastasse, cheguei atrasada na faculdade e perdi o início da aula de Ceramografia, uma das minhas favoritas.

- Aconteceu alguma coisa? - Lupe é atenciosa, adoro conversar com ela.

- O pior.

- Ele não te olhou de novo?

- Olhou. - ela quase pulou da cadeira, feliz por mim e segurou meu braço.

- E isso não é o que você sempre quis? Sorria!

- Eu derramei Pepsi nele, terei 10% do salário descontado e, pra completar, a namorada top estava lá, dentro de uma roupa tão colada que deve tê-la obrigado a tirar alguns órgãos antes de vestir.

- Dios mio, no creo! - quando Lupe fica muito nervosa fala em espanhol, sem se dar conta, mas eu percebo; e percebi que estávamos sendo observados por alunos que queriam, de fato, aproveitar a aula.

- O que acha de darmos uma volta e burlar as aulas hoje?

- Te pago uma cerveja amiga. Depois dessa, quero ouvir toda a história com detalhes.