Reinações Múltiplas: Moves Like Jagger
ATENÇÃO: Este blog é pessoal e não profissional

Moves Like Jagger



por Franci Freire



O astro rei. Aquele ego do tamanho do mundo e o olhar de felino perigoso arrasariam um milhão de corações adolescentes, despreparados para aceitar a visão de morenos, altos, de olhos azuis.

Ele precisava entrar sem camisa? Precisava passar por mim, deixando o rastro de perfume, e caminhar até a praça que eu atendia?

Bem, é claro que ele precisava; afinal de contas aquilo sempre acontecia, da mesma maneira, todas as quintas-feiras (em que ele não estava viajando para lugares insignificantes, como os países nos emirados árabes, para fazer uma ou outra apresentaçãozinha para sultões trilhonários... ao menos era o que eu imaginava, exagerando sarcasticamente).

Excelente. Abaixei a cabeça - se é que eu poderia imaginar que minha feição de cabeça alta significava estar, realmente, de cabeça erguida, na linguagem dos "Master Nariz Empinado" de Los Angeles. Pobre de mim, mas abaixei a cabeça e sorri, como uma criadinha insignificante (que era) e ofereci meus serviços.

- Seu pedido, senhor?

Ele me ignorou por completo, sabendo que eu estaria ali até que ele resolvesse, em seu mundo dourado, quando e como eu estaria ali; faria o pedido e voltaria a me ignorar; até eu entregar o lanche, ele oferecer um 'obrigado' automático e só lembrar de mim (eu deveria dizer "lembrar do andróide serviçal?") no momento de fechar a conta.

Excelente. Tudo estava correndo como o programado. Aliás, nem exatamente tudo, levando em conta que, dessa vez, o tal "imperador do sorvete de creme" estava acompanhado por uma loira. Era a namorada, eu sabia. Aliás, sabia por um motivo óbvio: gostava de jogar dardos nas horas vagas e, coincidentemente, a foto deles juntos imperava em meu quartinho imundo, nos fundos, dos fundos, de lugar nenhum.

A adorável acompanhante (adorei empregar esse termo para a namorada inconveniente dele) sorriu para mim.

- Vocês têm sorvetes de pistache?

Eu ignorei a atração em sorrir de volta e perguntar se a adorável acompanhante não sabia ler, já que o cardápio estava nas mãos dela e bastava seguir os olhos até as palavras "Sabores de Sorvetes Disponíveis".

- Temos, sim senhora.

Pois é, eu precisava ser uma boa atendente, então segui o planejamento e sorri, respondendo com educação.

- Vou querer um sorvete de creme (que novidade) com cobertura de (caramelo e granulados de chocolate...) caramelo e granulados de chocolate. - Ele falou e depois se voltou para a loira de peitos saltando em um top de academia. - Você vai querer o de pistache, amor?

Amor. Que palavra bonita. De acordo com o dicionário 'amor' vem do latim 'amor', 'amoris', é substantivo masculino e pode ser:

1. Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou atração; grande afeição ou afinidade forte por outra pessoa.

2. Sentimento intenso de atração entre duas pessoas; paixão.

3. Ligação afetiva com outrem, incluindo geralmente uma ligação sexual.

4. Ser que é amado.

5. Disposição dos afetos para querer ou fazer o bem a algo ou alguém.

6. Entusiasmo ou grande interesse por algo.

7. Coisa que é objeto desse entusiasmo ou interesse.

8. Qualidade do que é suave ou delicado.

9. Pessoa considerada simpática, agradável ou a quem se quer agradar.

10. Coisa cuja aparência é considerada positiva ou agradável.

11. Ligação intensa de carácter filosófico, religioso ou transcendente.

12. Grande dedicação ou cuidado.

Ou seja, 12 opções de enquadrar a extraterrestre loira, de peitos empinados, roupas importadas e pele perfeita que está sentada com Adam Levine em minha praça de trabalho no Bar, Restaurante e Sorveteria Trifólio Verde, em Los Angeles.

Acho que, por eliminatória, a nona opção cai bem para a cliente número um da L'Oreal 9 - Ligth Blonde, presente aqui. Afinal, de todas as palavras que analisei, 'simpática' é a que mais se encaixa a ela. Quem é 'simpática' não é mais que 'simpática' (leia-se sem sal), entende? Bem, o meu grau de ciúmes não vai permitir que associações com 'sentimento', 'agradável', 'paixão' e 'aparência positiva' sejam feitas a essa abominação rainha da Beauty Color Loiro Cinza Ultra Claro, sem chance.

- Vou querer de pistache sim, querido. Com cobertura de morango e amendoim.

Devo dizer que nesse momento fiquei um tanto quanto vermelha e quase me delatei gargalhando? Quem, nesse mundo, come pistache, morango e amendoin no mesmo "prato"? Pois é. De qualquer forma, sorri e respondi educada, seguindo, mais uma vez, o planejamento.

- Deseja mais alguma coisa senhor? Senhora?

- Vou querer uma Pepsi com limão, e você querida? - Vou dar uma colher de chá e ignorar a procedência semântica da palavra 'querida', ou ficaria escolhendo sinônimos que diminuíssem o grau de "eu como ela e não como você" durante todo o relato dos fatos.

- Eu quero uma Sprite Zero. - ela sorriu, e eu tentei encontrar algum defeito no rosto maquiado.

Não encontrei. Sorri, anotando o pedido e seguindo o protocolo de serviçais desesperadas no primeiro encontro com a rival-mor, e fui buscar os sorvetes logo após pedir licença.

Ok, preciso deixar algumas coisas claras por aqui, verdade? Sou Lenah Muller, estudante da Los Angeles Arts Academy; Tenho 22 anos, faço o curso de Arte em Cerâmica; vivo o péssimo hábito de ser eclética em quase todos os ramos da vida; nasci no Brasil, moro em Los Angeles desde fevereiro de 2009, quando minha tia solteirona resolveu apostar em minha arte e financiou metade dos meus estudos, a outra metade é a bolsa que recebi em um concurso cultural de Curitiba que dá conta. Quando não estudo, trabalho, como deu pra notar.

O Trifólio Verde é um pub adaptado, localizado no litoral sul de Los Angeles. Por aqui passam os maiores nomes de artistas internacionais, em momentos casuais repletos da felicidade que os milhões de dólares são capazes de comprar.

Meu chefe é uma figura desconhecida que controla tudo por meio do assessor competente Jhon Smith, meu adorável gerente. A família que construiu o Trifólio é irlandesa, e pelo que parece estão na Europa mesmo. Gostam de lucrar e mandar, mas preferem a simplicidade de Dublin (palavras do meu gerente, que não deve conhecer Dublin) ao atordoado movimento da América.

Bem, não gosto muito de ficar me descrevendo, não só porque sou normal ao extremo, como porque 70% das curitibanas tem pele clara e cabelos castanhos. Algumas pessoas me confundem com a Anne Hathaway, se isso ajudar... Aliás, isso deve suprir aquela parte chata em que eu falo desde a cor dos meus olhos, até o tamanho do meu traseiro.

Divido um pequeno apartamento com uma amiga mexicana, Maria Guadalupe Montañes; popularmente conhecida como Lupe, por motivos óbvios. Nós nos damos muito bem desde que nos conhecemos no curso (e, se isso ajudar, ela parece a Thalia, mas com uma barriga três vezes maior - o que, no fundo, faz dela uma pessoa normal, já que a barriga da Thalia é um insulto para qualquer ego feminino). Lupe tem uma organização invejável e eu uma desorganização lamentável, então nosso quartinho alugado e aos mofos não é lá um paraíso, nem um inferno na Terra.

Acho que eu vivia minha adorável vida de extrangeira feliz muito bem e equilibrada mesmo, até o momento de aceitar trocar de turno, no segundo semestre de 2009, encontrando o meu martírio americano nas quintas à tarde.

Eu juro que queria dizer que Adam é um homem bom e adorável, mas a verdade é que ele é um gostoso egocêntrico, então prefiro ficar com a verdade. Desde o primeiro segundo em que cravei os olhos nele, pessoalmente, tive noção de que minhas noites não seriam bem dormidas sem companhia. Em outras palavras, ele me excita.

Cada partícula daquele homem soa como um ultraje a minha essência feminina. Parece que tenho um imã com aqueles olhos azuis, que nunca me vêem. Sabe o que é ser olhada e não ser vista? Pois bem, eu acho que poderia escrever centenas de livros explicando a sensação, porque é exatamente o que ocorre todas as malditas quintas-feiras, quando ele está na cidade.

Adam é um homem de hábitos, que gosta de manter o controle em tudo aquilo que faz. Ele finge um descaso com as coisas que pratica, mas no fundo até os "acasos" são calculados. Em parte, acho que é isso o que me afasta de seu grau de visão e faz com que a atendente da sorveteria não passe de uma atendente de sorveteria, para ele.

Confesso que faria a mesma coisa se fosse um homem daquele porte, mas como sou uma mulher do meu próprio porte, me sinto indignada em ser "trocada" por uma loira aguada qualquer. Poxa, eu tenho orgulho brasileiro (ok, eu não tenho), pelo menos quando se trata do substantivo e adjetivo "mulher brasileira" unidos, em sequência, na mesma frase. Afinal, era para a latina popozuda aqui ser sensual e poderosa, não era? Ou os filmes me enganaram...

Ótimo. Parando de pensar besteira, lá fui eu pegar o pedido já preparado dos sorvetes. Não é difícil ou chato, porque eu adoro trabalhar no Trifólio Verde e ganhar para fazer coisas básicas, como servir lanches.

Voltei com os lanches e me concentrei em parecer menos invisível, servindo pelo lado errado, só pra chamar atenção. Uma atitude infantil e ridícula, mas fazem quase dois anos que eu estou aqui, esperando os olhinhos azuis me olharem, e nada.

Eu mencionei que a namorada do cara que nunca me olhou é nada menos que uma angel da Victoria's Secret? O nome da vaca é Anne Vyalitsyna. 25 anos, russa, 1,78 m, pisciana. Quer mais? Já namorou o Leonardo Di Caprio. E você pergunta: e daí? E daí? E daí que o Leonardo Di Caprio namorava a Gisele Bündchen antes e, como brasileira, sulista, me sinto ofendida em dividir dois homens com essa russa de quinta. Ainda que nenhum deles tenha qualquer relação comigo (além de ambos já terem tomado sorvete de creme no lugar em que eu trabalho).

Paranóia é uma palavra muito forte pra essa situação, afinal eu estou apenas juntando os fatos. É fato que eu fico maluca com o homem alheio. É fato que "essazinha" atacou uma antiga propriedade brasileira. É fato que Rússia e EUA não tem um bom histórico. É fato que nessa Guerra Fria o Brasil fica do lado americano. Logo, eu tenho o dever de considerar a loira aguada insuportável.

Deu pra notar que estou nervosa? Mal sei o que pensar, tamanho o nervosismo em ver ela pessoalmente... com ele. Será que preciso pintar o cabelo, fazer uma plástica e tentar... não! Eu sou uma artísta! Essa mulher é uma modelo, o que a reduz a um corpinho escultural vendível. Ok, isso não foi reconfortante.

Anne repara que servi errado, mas Adam não faz nada além de mexer no celular e ignorar minha presença. Sem expectativa, resolvo armar uma pequena confusão. Decidi que nessa quinta ensolarada ele vai olhar pra mim, custe o que custar.

Derrubo a Pepsi nas calças de Levine e ele solta um som que se assemelha a um xingamento, mas estou rezando para que a primeira palavra dirigida especificamente a mim por ele não seja um "puta que pariu".

- Desculpe senhor, eu sinto muito! - digo abalada pegando meu paninho de bolso e esfregando nas calças dele, em uma região que faço questão de enxugar. Qualquer possibilidade de eu estar molhada nesse momento é, absolutamente, real.Em um relance que parece a eternidade (e que os filmes fariam em câmera lenta), ele - finalmente - olha pra mim.

- Não foi nada.

Meia hora de silêncio psicológico e ele nem mesmo sorriu.

Quando percebi que o gerente estava por lá, ao lado do casal, tive impressão de que entrei em desespero ao ver que jamais chegarei aos pés da supermodelo, gostosa e perfeita que namora o homem dos meus sonhos. Básico.

Foi uma tarde daquelas, eu confesso. Adam ganhou um mês grátis e eu tive 10% do salário descontado. Não bastasse, cheguei atrasada na faculdade e perdi o início da aula de Ceramografia, uma das minhas favoritas.

- Aconteceu alguma coisa? - Lupe é atenciosa, adoro conversar com ela.

- O pior.

- Ele não te olhou de novo?

- Olhou. - ela quase pulou da cadeira, feliz por mim e segurou meu braço.

- E isso não é o que você sempre quis? Sorria!

- Eu derramei Pepsi nele, terei 10% do salário descontado e, pra completar, a namorada top estava lá, dentro de uma roupa tão colada que deve tê-la obrigado a tirar alguns órgãos antes de vestir.

- Dios mio, no creo! - quando Lupe fica muito nervosa fala em espanhol, sem se dar conta, mas eu percebo; e percebi que estávamos sendo observados por alunos que queriam, de fato, aproveitar a aula.

- O que acha de darmos uma volta e burlar as aulas hoje?

- Te pago uma cerveja amiga. Depois dessa, quero ouvir toda a história com detalhes.




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