Reinações Múltiplas: Professor Projetor
ATENÇÃO: Este blog é pessoal e não profissional

Professor Projetor

Franciele Cristina Freire[1]

“O objetivo é compreender o evento em estudo e ao mesmo tempo desenvolver teorias mais genéricas a respeito do fenômeno observado (Fidel, 1992). Para Yin (1994) o objetivo do estudo de caso é explorar, descrever ou explicar e segundo Guba & Lincoln (1994) o objetivo é relatar os fato como sucederam, descrever situações ou fato, proporcionar conhecimento acerca do fenômeno estudado e comprovar ou contrastar efeitos e relações presentes no caso. Por seu lado, Ponte (1994) afirma que o objetivo é descrever e analisar. A estes dois Merriam (1998) acrescenta um terceiro objetivo, avaliar.
De forma a sistematizar estes vários objetivo, Gomez, Flores & Jimenez (1996:99), referem que o objetivo geral de um estudo de caso é: “explorar, descrever, explicar, avaliar e/ou transformar”.”[2]


Possíveis disciplinas: Pedagogia, Letras, Filosofia, Sociologia, qualquer licenciatura.

Objetivo: Analisar uma situação específica na postura de professores e alunos diante da prática docente.

O Professor Projetor levantou no sábado de manhã, preparando-se para sair e dar aulas. Ele teria um dia exausto pela frente, já estava vendo: alunos chatos, matérias maçantes e tempo perdido. Não via à hora de voltar para casa, mas ainda nem havia saído.

Naquela manhã, o professor pegou sua maleta – onde guardava o material de trabalho: dois pendrives, um cartão de memória, um livro, canetas, a carteira e os óculos – e deu uma boa olhada para ver se estava tudo no lugar. Tomou um café, observando o jornal da manhã e, logo em seguida, tratou de pegar a chave de seu automóvel, para seguir até a Faculdade onde lecionaria.

O tráfego estava tranquilo e o sol começava a sair. O primeiro pensamento do Professor Projetor foi: eu bem que poderia ficar em casa, estamos em dezembro e as férias já deveriam ter chegado. Ele entra na instituição, cumprimenta os funcionários, bate o ponto e segue para a sala, onde há três ou quatro acadêmicos a sua espera.

São oito e meia da manhã, o professor está desmotivado. Todos os seus pensamentos estão fora da sala, vagando em como aproveitar o tempo, ao invés de perdê-lo com alunos que não querem nada com nada e, na verdade, nada lhe interessam.

Alguns dos acadêmicos que foram para a faculdade a fim de assistir a aula do Professor Projetor são estudantes que desempenham funções semelhantes a dele, ou seja, dão aulas. O fim de ano estava matando aqueles alunos, pois além de estudarem, também tinham de preparar as próprias aulas, cuidar das notas e da aprendizagem de seus alunos. Devido ao cansaço semanal, sono e demais fatores externos, a turma recebe o Professor Projetor sem muito entusiasmo.

Preocupado em passar o conteúdo e sair da instituição o mais rápido possível, o Professor Projetor não percebe a indisposição dos alunos. Ele, simplesmente, liga o computador, coloca seu pendrive, acessa a pasta da aula (que não foi elaborada por ele, pois o Professor Projetor não se interessa em elaborar nada que possa pedir, copiar ou comprar) e começa a ler os slides, fazendo comentários sobre o que está escrito.

Os slides do Professor Projetor são coloridos demais aos olhos dos alunos, além de terem letras muito pequenas e excesso de informação. Para àquela hora da manhã, alguns dos alunos não esperavam algo tão carnavalesco. O Professor Projetor não percebe, pois está acostumado com aquele tipo de material, já que além de dando aulas ele trabalha com empresas e é Gestor de Pessoas, dando palestras animadas em grandes companhias.

Para o Professor Projetor, aquele dia está sendo um desperdício, pois suas palestras valem mais do que as aulas que está dando; afinal, rendem menos esforço, menos tempo e ele não precisará dar notas ao final de todo o processo, nem assinar Livro Ponto ou ter que se preocupar em manter contato com alunos.

Devido ao excesso de leitura dos slides, explicações de cunho pessoal e monotonia do tema, os alunos não se concentram na aula; Eles dispersam sua atenção para coisas insignificantes, como olhar pela janela, ler revistas, conversar sobre o fim de semana, mexer no celular, etc.

O Professor Projetor, no entanto, é muito atento aos olhares dos alunos, pois necessita de atenção quando está explicando algum conteúdo ou lendo um slide. No momento em que ele percebe que seus alunos estão dispersos e não lhe dão atenção, ele usa a técnica que utiliza em suas palestras: conta piadas ou faz comentários espirituosos.

Infelizmente, a finalidade do professor não é "efetivar o interesse" dos alunos e ele se contenta em perceber que todos estão olhando para ele. Na tentativa de deixar a aula engraçada o professor acaba falando algumas palavras que considera gracejos, todavia aos olhos dos acadêmicos tais palavras não caem muito bem. Nosso professor tem sua atenção mantida e não se preocupa em refinar o que diz, pensando estar no controle da turma – desempenhando o que para ele é o papel de um líder.
Os alunos estão cansados, com mais sono do que costumam ter nas aulas e fingem prestar atenção no professor: balançando a cabeça quando ele os observa. Na realidade, aqueles acadêmicos só estão reparando em assuntos alheios à matéria, como as expressões sem sentido que o professor utiliza em seus gracejos.

O dia passa, professor e acadêmicos estão exaustos. Duas horas antes de dispensar a turma, o professor já terminou de ler os slides, mas não deu espaço para discussão do tema. Sempre que um aluno iniciava um diálogo, ele o cortava com algum comentário predominante e seguia a leitura de slides dizendo “vamos continuando”.

Nem todos os alunos estavam dormindo ou cochilando, então experimentavam fazer uma ou duas perguntas para o professor, que não sabia responder ou enrolava nas respostas, pois para ele estava tudo muito claro: nos slides.

Quando os slides terminaram, o professor pediu aos alunos que realizassem algumas pesquisas, lendo o material que haviam levado para o apoio. Os alunos estão exaustos, mas alguns se matem persistentes e leem todo o material, faltando uma hora e meia para serem liberados.

A aula, que deveria terminar em determinado horário, acaba sendo finalizada com antecedência, pois o professor não tinha mais slides e os alunos não tinham mais o que fazer em sala. Para o docente isso é ótimo, pois o Professor Projetor havia mesmo planejado, antes de entrar em sala, chegar em casa mais cedo.

Minutos antes de liberar os alunos, o Professor Projetor lhes dá atividade (valendo nota, pois acredita que nenhum aluno faz nada sem ser recompensado), no entanto, apenas alguns acadêmicos conseguem compreender a atividade proposta, já que o Professor Projetor apenas lê o enunciado e explica superficialmente.

No momento em que são liberados, diversos alunos saem às pressas da sala de aula, haja vista que julgam estar em um ambiente monótono e sem graça, em pleno final de semana. Esses alunos não aproveitaram a aula, já que não fizeram anotações, nem participaram com perguntas e debates. Alguns deles saem comentando que o dia foi maçante, chato e a aula desnecessária. “Eu poderia ler os slides em casa”, diz um deles.

Dias depois, quando o professor recolhe o trabalho dos acadêmicos, repara que não estão de acordo com a proposta do exercício e, sem ter interesse nas falhas dos alunos, pensando se tratar de descaso com o tema, ele lhes dá notas baixas – lendo superficialmente as respostas das questões. O Professor Projetor considera que esse seja o tratamento que os alunos merecem, principalmente por ele estar prestes a sair de viagem. Além disso, na visão do professor, os alunos não prestam atenção quando ele está falando e é nisso que dá ficar dormindo na aula.

Diante do caso descrito:

Poderíamos descrever o caso como uma típica aula em que professor e alunos estavam indispostos e não desempenharam suas "funções" com propriedade. Diante disso, a questão seria: Por que professor e alunos estavam tão "desconexos" nessa aula?

Algumas hipóteses para a falha na atuação:

a) O cansaço dos alunos interferiu na predisposição em receber o professor;

b) O professor não teve ânimo e motivação para elaborar uma aula criativa;

c) O professor tem pressa em sair da instituição e só pensa em passar o conteúdo com urgência;

d) Os alunos estão desmotivados e não encontram uma “âncora” para prestar atenção;

e) Os alunos não conseguem se concentrar na aula por fatores externos;

f) O professor não se preocupou com os fatores externos no momento de elaborar sua aula;

g) A proximidade das férias, o dia da semana e o fim de ano influenciaram na desmotivação do professor;

h) O professor não tem intenção prévia de ocasionar o interesse dos;

i) O professor comete "excessos de gracinhas" e não revisa/cuida de seu material;

j) O professor acredita que liderança é ter apenas a atenção dos alunos;

k) Os alunos continuam indispostos a prestar atenção, sem serem instigados;

l) Os alunos estão ansiosos em sair da aula;

m) O professor está ansioso em sair da aula;

n) O professor não fez um feedback de sua atuação e da compreensão dos alunos, etc.

Na obra Formação pedagógica: Como se ensina?, Fairstein e Gyssels (2005) afirmam que “a motivação é uma condição essencial para que se ponha em marcha o processo de aprendizagem”. Como percebemos, o Professor Projetor não teve essa predisposição em dar sua aula, com a vigorosa vontade de exercer tal ato, o que – logo de início – quebrou a base do processo de aprendizagem, acarretando o mal entendimento do conteúdo por parte dos acadêmicos e, por conseguinte, um desempenho ruim na realização das atividades propostas.

Fairstein e Gyssels ainda nos dizem que o estado mais comum dos alunos é a desmotivação, pois o ensino se propõe a processar a tarefa de que as pessoas queiram aprender coisas que desconhecem. As autoras afirmam que o educador precisa saber que a motivação não nasce espontaneamente, naturalmente ou mecanicamente, senão com estímulos.

Essa tarefa, de estimular os alunos, foi praticada em um contexto completamente equivocado da parte do Professor Projetor, que, ao invés de centrar na matéria com as suas particularidades interessantes, resolveu fazer algumas piadas durante a aula. Os alunos entenderam a ação do professor como algo desapropriado para o momento e a aula não fluiu.

Como podemos perceber pelos momentos iniciais da atividade do professor, não houve um planejamento da aula, uma antecipação ou uma busca de estratégias relacionadas ao que as estudiosas chamam de criação de um bom clima de trabalho. Fairstein e Gyssels reforçam, também, a criação de tarefas em grupos como grande fonte de motivação.

A avaliação desse caso pode ser dada como um equívoco de ambas as partes, pendendo responsabilidades para o lado do professor, que não valorou seu trabalho, acreditando estar desperdiçando o seu tempo e, por fim, acabou por desmerecer a finalidade de uma aula expositiva (dialogada), recusando a participação dos alunos - que ficaram dispersos durante a explanação do conteúdo e não assimilaram a matéria.

Algumas sugestões para a solução do conflito:

a) Para que essa situação seja transformada seria necessário uma “motivação prévia”, de ambas as partes. Ou seja, professor e alunos deveriam estar predispostos a participarem da aula: realizando leituras precedentes, fazendo um contato inicial, organizando um material dinâmico, etc;

b) Também seria interessante a intervenção dos alunos durante a explicação do conteúdo, de maneira a somar experiências e opiniões, haja vista que todos os presentes trabalham com a Educação;

c) Algumas dinâmicas ou algumas atividades práticas sugeridas pelo professor poderiam deixar o dia mais acelerado e não tão desgastante; bem como, pequenos intervalos e maior flexibilidade na utilização de métodos didáticos;

d) Fundamentalmente, seria necessário predisposição de ambas as partes e uma segunda tentativa durante qualquer hipótese de falha (agindo com otimismo).



[1]Professora de Língua Portuguesa, graduada pela PUCPR; escritora de materiais didáticos, fanfictions, romances; blogueira do Reinações Multiplas; Revisora e editora da Revista Eletrônica Ilícitas; Revisora e beta do site Wonderland Fanfictions; Cronista contribuinte da Revista Digital Saia e Salto Alto.

[2] ARAÚJO, C. PINTO, M.F. LOPES, J. NOGUEIRA, L. PINTO, R. Métodos de Investigação em Educação: Estudo de caso. Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia. Portugal: 2008

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