Era uma vez a síndrome do "não mexa no meu bolso", uma doença social que transforma pessoas ativistas, que amam cachorrinhos e gatinhos fofos, em seres bestiais capazes de matar (ou contratar um advogado) para "defender seu patrimônio". Um tipo de gente que jura de pé junto que lutou por cada moedinha de 25 centavos no bolso e que não está disposto a perder dinheiro pra "vagabundo nenhum".
Gente que trocou a Bíblia pelo Código Civil, só pra ter certeza que pode processar ou se defender.
O tipo de gente que separa maçãs saudáveis de maçãs podres. Que prefere locais limpos e organizados, sem incidência de meliantes com cara de petista, rebelde ou revolucionário cubano.
Gente que nunca fez nada ilegalmente (i-ma-gi-na) e que tem plano judicial ao invés de plano de saúde. Porque cuidar dos bens é mais importante do que cuidar da vida. Aliás, os bens são a vida.
Um pessoal que, em sua inteligência suprema, não se mistura. Não anda com gentinha. Não come sorvete na casquinha, só milk shake ovomaltine.
Aquele tipo de gente do bem, que entra em contato com a natureza indo a parques ao estilo cartão postal da cidade e praticando ioga, mas que ignora qualquer ação humana que não envolva benefício próprio.
Gente que se julga inteligente porque tem estudos... sem se dar conta de que são pessoas mais burras por pensarem que só por terem estudos são inteligentes.
Gente que fala bem, escreve bem, se porta bem... e é completamente doente. Julga a vaidade como amor próprio, o egocentrismo como defesa de sua verdade, as esmolas sociais como ajuda comunitária. Gente que mente descaradamente em grupo ou sozinha. Gente que tem mais feridas na alma do que um leproso possua no corpo.
Gente que precisa de ajuda. De reflexão. De sutileza e palavras doces, porque possui tanta "verdade" impregnada que não sabe elaborar uma questão simples para si mesmo. Não sabe mudar de ideia, ver outro viés, outro ângulo. A não ser que tenham teorias e direcionamentos acadêmicos.
Gente que faz da vida do outro dois ou três salários mínimos, e se acha justo porque oferece o domingo de folga (nem que seja de 15 em 15).
Gente que paga vinte e poucos mil de luz, dez mil de aluguel e pouco mais de mil reais para a vendedora que trabalha de domingo a domingo no shopping.
Gente que fatura, que faz viagens em família, que compra presentes para os filhos, que se presenteia com carro, joias, roupas importadas, sessões de massagem em spa e reclama da economia porque deixou de fazer o número 5 e passou a fazer apanas o número 3 no cardápio capilar do cabeleireiro renomado.
Gente que tem pena de quem não possui a mesma condição financeira, os mesmos estudos e de quem, principalmente, não conhece as mesmas leis.
Gente com sobrenome imposto de renda.
Gente doente. Gente que precisa de ajuda.