Todo mundo mira el espejo, no les gusta su reflejo y no les queda nada más que criticar a los demás.
- Aqui vou eu!
Lenah levantou da poltrona, puxou
a mochila do chão e com um movimento a jogou nas costas. Seu rosto aparentava
grandes olheiras, não dormira nada na noite anterior e estava um pouco insegura
do que fazia. Esses detalhes somados a seu humor lhe deixavam desconfortável na
calça legging preta, sobretudo porque detestava usar calças e ainda menos
quando lhe colavam no corpo. De qualquer maneira, se estava decidida a mudar
sua vida e se separar daquelas recordações tão tristes, não havia o que fazer:
precisava de uma iniciativa.
Chamara o táxi pelo telefone, mas
naquela época do ano, naquele horário e região da cidade, seria um milagre
encontrar um táxi disponível. Mesmo assim persistira: iria de ônibus! Para
onde, não fazia ideia, mas estava obstinada e não deixaria por menos. Se ele
pensava que um táxi a pararia, estava completamente enganado! Não importava
quantas indiretas lhe jogasse, nem quantas ironias saíssem daquele sorriso,
outrora amado e deliciado por ela, pois aquele era o fim. Estava acabado e não havia
mais nada que dizer.
Sentiria saudades de algumas
coisas, é claro. Na verdade, mais da metade de tudo o que estava ali lhe daria um
imenso embrulho no estômago só de pensar – tamanho o desespero que aquela
mulher tinha de se entregar às mudanças. Lenah lembrava bem que ao juntar seus
trapos com aquele esfarrapado que vivia com ela, havia feito o maior sacrifício
de sua vida. Tomara coragem depois de tentar três vezes sem obter êxitos. Na
verdade, lembrava de algo relacionado a sua mãe lhe colocar contra a parede e
lhe dizer que deveria assumir suas responsabilidades porque já estava bem
passada para ficar embaixo das asas dos pais.
Lenah não lembrava de conhecer
uma mãe tão... diferente, quanto a sua. Lembrava, todavia, do relógio correndo
as horas durante a noite e da insônia lhe invadindo os olhos, para conter o
choro... em pensar que naquele exato momento estava na corda bamba entre sair
pela porta marrom de trinco dourado ou desistir da ideia e se jogar nos braços
do loiro, alto de olhos azuis.
E foi enchendo os pulmões e
respirando fundo que ela conseguiu o combustível para dar o primeiro passo rumo
a porta.
O tênis estava desconfortável nos
pés. Detestava usar tênis, tanto ou mais que calças, mas o que poderia fazer?
Com aquele visual esportivo e certa de que caminharia como uma mula, a morena
optara pelo mais “confortável”. Não entendia que mal havia em fazer caminhadas
de sandálias e vestido, o corpo humano deveria se adaptar a esse conforto.
Claro que em uma caminhada menor ela jamais sairia de casa com outro vestuário
que não fossem vestidos e saias, basicamente porque eram uma lei! Mas naquele
caso, tratando-se de um caminho desconhecido, ou ainda, de um novo caminho, o
ideal seria respirar fundo e ignorar o mal estar em vestir tênis de corrida e
legging. Seria melhor arriscar os cadarços do tênis preto com detalhes
prateados, do que arriscar a liberdade, vivendo sob o mesmo teto que aquele
homem.
Onde já se viu? Ela não aturaria
aquele tipo de comportamento... quantos meses levava? Talvez uns seis ou sete,
quem sabe oito. Imagine só, oito meses! Era tempo suficiente para dar um basta.
Aliás, Lenah acreditava que o ponto havia passado quando ela, sozinha, teve de
fazer malabares para pagar o aluguel da casa. Três anos vivendo juntos e, de
repente, aquele surto de irresponsabilidade financeira, relacional e
comportamental. Quem ele pensava que era?
Não havia mais volta. E doía tanto!
Afinal estava saindo da casa que um dia havia ajudado a construir, dar vida,
cor e amor. Estava saindo de sua casa. Mas o mais importante era que estava
saindo da vida de Leonardo. Podia ser um pouco ingênua e naquele momento era
uma sem teto, mas seria feliz! Ah, com certeza seria. Já não aguentava mais a
pressão de dividir o mesmo teto com aquele... cachorro!
Lenah olhou a sala pela última
vez, certificando-se de que tudo permanecia como ela e, em outros tempos, seu
grande amor, haviam deixado. Respirou fundo e saiu, finalmente, pela porta.
Leonardo a observava. Era um
olhar gentil e risonho o que ele emanava para o corpo desconfortável na roupa
de academia. Leo tinha certeza de que aquela mulher estava urrando por dentro,
a sumária ideia de ver Lenah em uma calça justa, com tênis nos pés e uma bolsa
nas costas, apenas não combinava com a moça de estilo livre e solto com quem
vivia. Ele sabia que a discussão havia sido complicada e tinha noção de que não
era mais o mesmo... nem ela. Mesmo assim tinha esperanças de que aquele teatro
acabasse até a hora do almoço e, assim, Lenah ainda poderia lhe dar uma boa
tarde de sexo como ato final.
Com um sorriso brincando nos
lábios, Leo arqueou a sobrancelha, decidiu que calças coladas ficavam muito bem
no corpo de sua mulher e avançou pela porta, assim que Lenah se dirigiu para o
portão.
- Eu lhe desejaria boa viagem se
soubesse para onde vai, docinho.
A moça parou por um segundo,
olhou para trás e deu a atenção que seu atual/ex tanto necessitava. A palavra “docinho”
era capaz de extrair fel de suas veias. Grande babaca, pensava que por ser
modelo e ter uma vida repleta de sangue sugas rabugentas lhe dizendo o quando
era alto, atlético e gostoso, 8 horas por dia, podia simplesmente se sentir
superior com aquela insignificante sobrancelha arqueada.
Não importava se agora ele estava
vestindo apenas a velha calça de moletom cinza, usando chinelos brancos e
mostrando o tanquinho, com aquela cara amassada de sono e o habitual cheiro de
perfume nacional - bem no portão de sua casa. Não, não importava! Lenah não
cairia naquele charminho profano outra vez. Ela seria forte. Havia acabado! Uma
mulher tinha de ter palavra e seguir até o fim com suas decisões.
Virou-se sem dizer adeus e caminhou
até o ponto de ônibus com a coragem de um soldado que vai para a guerra. “Vida
nova”, pensava. “Vida nova!” e um filme lhe passava em mente. Eram aquelas as
palavras que dissera quando saíra da casa de sua mãe prometendo não voltar. E
não voltaria! Não sabia pra onde ir, mas iria! Ou talvez não... pois o velho
ônibus da vila que parava e recolhia as pessoas no ponto, estava a ponto de
sair sem esperar por ela.
Acordando das divagações Lenah
gritou pelo ônibus e correu como louca, mesmo assim, não obteve êxito. O ônibus
havia partido e restava apenas o sorriso no rosto de Leo, no portão, e a cara
de idiota que a moça fazia vendo a traseira do veículo que partia apressado.
Malditos fossem os motoristas que
não esperavam passageiras desesperadas.
A moça não pensava em deixar por
menos. Após se virar por um instante e ver o sorriso do “dono da casa” no
portão, empinou o nariz e caminhou pela rua, pensando em andar sem rumo até
encontrar outro veículo que, aí sim, lhe desse carona. Leo engoliu em seco a
atitude da atual/ex-mulher, pensando seriamente em pedir desculpas e esquecer
as discussões. Mas algo dentro dele não deu o braço a torcer. Repetindo o
gesto, o homem virou as costas e entrou em casa, deixando o portão encostado,
com a certeza de que ela voltaria. Foi até a porta da cozinha, observou na pia a
bagunça do dia anterior e voltou para a janela da sala, vendo a distância em
que se encontrava Lenah e sua mochila. Engoliu em seco. Ela voltaria, não
voltaria?
Decidida, a mulher caminhava
passo ante passo. Não importava para onde iria, nem como faria para chegar,
importava ter certeza do que queria e seguir adiante. Sempre adiante.
***
Já fazia cinco horas desde que
iniciara a caminhada. Entre uma lágrima e outra, um ônibus e outro, um
pensamento e outro, Lenah passeou de ponta a ponta na cidade, até chegar ao
bairro de uma antiga amiga. Batera a porta, sem saber se seria bem recebida ou
não, mas de acordo com a nova inquilina, a moça havia se casado e mudado de
cidade. Onde já se viu uma amiga não saber
que a outra casou e se mudou? Era culpa dele, que a deixava isolada do mundo, dos amigos, da vida.
Para ela nada mais restava além de caminhar... e era o que vinha fazendo durante todo aquele terço do dia.
Para ela nada mais restava além de caminhar... e era o que vinha fazendo durante todo aquele terço do dia.
Estava cansada, com fome, sem
teto, perdida, mas não pensava em voltar. Seguiria em frente.
- Querendo me derrubar, vida? Pois que venha mais, eu aguento muito mais!