O paraíso existia na Terra, Carol estava certa disso. Todos os seus planos estavam dando certo, sem dúvidas estavam. O filme sairia perfeito, em breve o lançamento do longa com o Angel’s, os contratos de patrocínio e seus projetos culturais estavam de vento em popa; As reuniões de um possível filme no Brasil estavam para acontecer, a família já havia sido visitada, os amigos revistos, na próxima semana Anne passaria alguns dias com ela e o melhor, já tinha visto, ouvido e, OMG, “beijado” o Cabal.
Ela não acreditava, estava histérica em casa, dançando suas músicas favoritas no último volume, só de calcinha e baby lock, como ela adorava. Nessas horas Richard ficava lá nos fundos, Claire o avisava para não entrar, não gostava que seu marido se sentisse constrangido e achava muito engraçado ver Carol pulando e rodopiando com a escova de cabelo na mão, feliz da vida.
Havia conhecido sua patroa muito triste e infeliz, naquele dia marcante na casa do patrão-mor, o senhor 50. Era muito complicado conviver com ele, mas quando ela chegou na casa, foi como se uma tempestade passasse e lavasse tudo o que havia de ruim, dando uma oportunidade de recomeço.
Ninguém sabia que 50 e Carol passavam horas conversando ao invés de fazer sexo. Eles não faziam questão de desmentir as especulações, porque se amavam muito e porque nem sempre conversavam, às vezes o prazer rolava solto mesmo. Carol chamava 50 de boss e ele a chamava de princess. Eram grandes amigos, tanto que o celular de Carol estava com 5 ligações e 7 mensagens dele, por simplesmente ter amanhecido e ela ainda não ter ligado. Não conseguiam mais se separar.
Ela não havia se aproveitado de 50 em nada, tinha sua consciência limpa. Tudo que ganhara era com trabalho, com talento. É claro que os contatos vieram dele, de sua proteção, de seu dinheiro, mas ela não deixava por menos. Investiu em assuntos sérios, deu ideias, ajudou em produções, atuou brilhantemente e se esforçou bastante para que os amigos de 50 deixassem de vê-la como aproveitadora. Com Eminem foi em vão, é claro, mas nem ela nem 50 ligavam. Estava escrito que era pra ser assim.
Depois de três meses na casa de 50, Carol teve um breve relacionamento com Ja Rule e isso desagradava muito ao rapper loiro de plantão. Eminem não conseguia admitir que aquela “brasileirinha de quinta” explorasse seu amigo, transasse com um loser naquela casa e ainda se atrevesse a dar aulas para sua filha. Foi um parto convencê-lo de que Carol era confiável e, mesmo assim, ele nunca acreditou realmente.
O que sempre foi relevante para Carol era sua história com Cabal. Ela podia sentir que eram feitos um para o outro. Ela o 3 ele o 4. Ele precisaria dela, como um suporte, um tripé, algo assim. Ela não sabia porque, mas o que importava era seu pressentimento e os sonhos que tinha desde adolescente, quando foi morar com 50 teve certeza. Carol e Cabal tinham muito em comum, ao menos naquela mente insana que ela carregava.
Via a relação como uma pirâmide que tem três lados triplos e na base os quatro lados de sustentação. Assim era com ela, sentia-se completa em pensar que poderia ser Cabal a última peça do quebra-cabeças, principalmente quando descobriu todo o poder que ela poderia exercer sobre seus destinos. Isso a deixava cada vez mais ligada e apaixonada. Era um produto de sua obsessão, Carol sabia disso. Mas, ainda assim, precisava ir até o fim.
Carol acreditava em ligações do espírito, em aproximações do destino, mas era um pouco ansiosa e por isso fazia as coisas sem pensar. Embora acreditasse que, dessa vez, tudo seria diferente e perfeito, pois ela estava planejando o encontro dos sonhos. Tudo seria mágico, ela sabia.
Queria ser a Cinderela com seu príncipe, como todas as garotas apaixonadas, mas também tinha o seu lado de pantera, de felina a caça e, por isso, via Cabal ora como o príncipe encantado perfeito, ora como a presa fatal a ser caçada. Ele tinha algo que chamava sua atenção, tinha uma presença também, agora ela sabia. E olhando aquelas esmeraldas maravilhosas que revestiam a jóia que programava entregar em duas semanas, lembrava dos olhos verdes dele, do perfume aconchegante e forte.
Sorria feliz com a conquista daquela noite, ele devia ter pensado nela por pelo menos mais 10 min, até receber a notícia do cachê e toda a organização que ela mesma fez questão de preparar, queria que ele visse a transparência nas ações do evento produzido, embora não houvesse nenhuma. Aquela ideia de contratá-lo sem que ele soubesse quem era o contratante deixava o jogo mais emocionante, certamente devia tê-lo intrigado um pouquinho.
Thaíde era um outro presente, com certeza. Que pessoa especial, ela sentia que nele estava à essência do rap nacional e por isso queria vê-lo no topo. Era realmente sua fã. E ela faria o que estivesse em seu alcance para ajudar aqueles artistas que amava e em quem acreditava. Sentia-se feliz porque 50 lucrava e os seus queridos rappers brasileiros também, mas sentia-se ainda mais feliz por ter a vida deles diante de seus olhos.
Carol guardou novamente a joia na gaveta, respondeu as mensagens e chamou 50 no rádio. Ele estava preocupado, perguntou detalhes da noite, ela contou tudo com muita empolgação e ele ouviu atento, mas deixou claro que se algo acontecesse de errado ela deveria ligar imediatamente e ele a arrastaria de volta a América, não sem antes dar uma boa lição em quem mexesse com ela, é claro. Ela riu despreocupada, nada de errado aconteceria. Tinha certeza.
50 sabia que Carol amava muito seu país e sonhava em fazer um diferencial, mudar muita coisa, afinal a sua professorinha de português era uma idealista. No início foi estranho para ele aceitar que estava apaixonado por ela, mas com o tempo percebeu que era um amor diferente. Ela tinha algo que fazia as pessoas sentirem-se presas e livres ao mesmo tempo. Não podia tirar os olhos dela e não queria que isso acontecesse. Então lhe ofereceu o mundo, mostrou-lhe o seu universo e fez dela parte integrante de tudo o que o cercava.
Ele ria sozinho pensando aonde tinha parado seu juízo por “adotar” uma mulher feita. Fazia os gostos dela, que eram poucos, baratos, sem graça. Carol não tinha ambição em usar o dinheiro dele, como as outras mulheres que tinha. Não, Carol queria trabalhar e conquistar. Aceitou ficar na mansão por algum tempo, no início, em troca de ajudar na arrumação da casa, depois aceitou o apartamento que ele havia comprado para ela, em troca de ensinar português para ele, Hailie Jade (filha de Eminem) e todos os seus empregados, duas vezes por semana, durante cinco anos. Nas contas dela, jamais pagaria o apartamento, mesmo com tudo aquilo. Nas contas dele, nada do que ela fizesse seria mais importante do que sua companhia e o prazer de desfrutá-la, tê-la para ele.
Os contatos que tinha gostaram muito de Carol, principalmente os especiais. Logo Carol estava no topo, junto deles. Seria uma questão de tempo até que o Oscar estivesse nas mãos dela, ele tinha certeza. Sonhava em vê-la no tapete vermelho, pois sabia que era o verdadeiro lugar daqueles pés delicados e ágeis. Era o seu presente e entregaria o mundo nas mãos dela, se assim desejasse.
Era uma pessoas especial, que fazia por merecer. Trabalhou duro em suas atuações, dando seu melhor e fazendo com perfeição os papéis que desempenhava, não só porque amava atuar, mas porque queria deixar claro ao que viera. Infelizmente sua imagem se associou a uma aproveitadora, mas eles, seus amigos Richard, Claire e 50, sabiam que Carol não era assim, sabiam que tudo o que ela tinha conquistado era por se esforçar.
Os primeiros salários foram para a família no Brasil, logo já tinha comprado a casa que desejava em Curitiba e então a chácara em Minas. Depois de dois anos já tinha condições de pagar as coisas que consumia no apartamento e Beverly Hills, o condomínio, os impostos e tudo mais. E agora, tinha dinheiro para comprar aquela joia tão linda com um C e um 4 cravados, entre esmeraldas e diamantes, a fim de presentear o homem que ela tanto admirava e talvez amasse.
xXx
“24 horas na cidade que não dorme.”
Thaíde não se aguentava de ansiedade, estava muito feliz. Em uma das primeiras reuniões havia comentado sobre o som de Cabal na boate Pegasus e Carol teve a excelente ideia de pedir a 50 para investir em um show de Thaíde no local também, para lançamento de um novo cd. É claro que Thaíde não aceitou, sem que se rendesse, tinha um orgulho extremo, mas no fim das contas, não tinha como dizer ‘não’ para aquela mulher. Em uma semana, naquela mesma em que conversou com Cabal bebendo uma cerveja e falando de Carol, acertou os detalhes do show na badalada boate. O dele seria um dos três shows de hip hop, que o produtor havia comentado na reunião com Cabal.
Seria um show diferente dos demais, um golpe de marketing. O cd, que sairia originalmente por 15 reais, foi vendido, exclusivamente, em São Paulo, em uma loja de cd’s parceira, por 70 reais. O que vinha junto do cd? Um ingresso para a “Noite Alada” na Pegasus, com Thaíde, DJ Hum, Rappin’Hood e convidados. A ideia foi de Carol, ela sempre teve grandes planos em estratégias de marketing. Thaíde gostou da ideia e em menos de 72 horas mais de mil e quinhentas cópias vendidas, 60 mil visualizações de seu novo single/clipe no Youtube e muita gente indignada por não conseguir comprar o ingresso pela internet ou em outras cidades. Era a influência de 50 cent ou o talento do rapper? Carol tinha absoluta certeza da segunda opção, embora soubesse que ela era a responsável por toda aquela jogada
Estava tudo dando certo, uma semana antes do show de Thaíde teria outro rapper na Pegasus, um cara chamado Túlio Dek. Esse artista Carol não conhecia, nem tinha ajudado a conseguir uma noite na boate, mas percebeu que era amigo dos meninos e resolveu comprar um cd. Talvez ela até fosse no show do cara.
As organizações para a apresentação de Thaíde estavam de vento em popa, Carol queria meter o bedelho, mas achou que já tinha opinado demais, resolveu deixar os meninos numa boa e foi receber a amiga no aeroporto, enfim passaria a tão sonhada semana com sua irmã postiça. Anne e Carol eram amigas desde a adolescência, se gostavam muito, eram mesmo como irmãs, cúmplices de tudo. O que fazia a amizade durar tantos anos era a sinceridade e a cumplicidade.
Anne tinha um propósito maior na viagem de encontro. Não gostava de hiphop, era a típica mulher de negócios e artes requintadas, sem biótipo para homens rimando brutalmente, com roupas de Power Ranger, falando xingamentos no meio de melodias desagradáveis. Nesse aspecto, ela e Carol não tinham a menor relação de entendimento, por isso evitavam tocar no assunto “gosto musical”.
Ainda assim, Anne tinha um astuto ar de preocupação quando ouvia a amiga falar de seus amigos, pois sentia ter algo atrás de toda aquela maravilha paradisíaca, que era a vida de Carol. Preocupada, Anne foi audaciosa e perguntou para a amiga, como não obteve nenhuma informação útil, recorreu a conversar com o brutamontes sem noção, apelido gentil que ela deu a 50 cent.
Conversou com o rapper por telefone, depois de mover o mundo para ser atendida. Anne iria aonde fosse preciso pela amiga, e sabia que 50 faria o mesmo, pois, ainda que os dois não se dessem e Anne achasse toda aquela gente desagradável, tinha certeza de que Carol era muito amada por ele, Claire e Richard, isso a confortava.
Na conversa que teve com 50 naquela semana, sua preocupação foi ao ápice. Carol estava frequentando uma clínica psiquiátrica. Ao que parecia estava tudo bem, mas Anne sabia bem que uma pessoa que está bem não freqüenta uma clínica psiquiátrica nos Estados Unidos. Resolveu deixar tudo e passar uma semana com Carol. Seria discreta e estudaria as atitudes da amiga. Era um passo.
Entre idas e vindas, as garotas só tinham se visto 3 vezes nos últimos anos, em que Carol estava no exterior. Anne trabalhava como jornalista, cobria eventos de moda. Vez ou outra no Rio e São Paulo, mas seu foco era o sul do país. Anne tinha uma casa em Porto Alegre e lá residia desde a época em que Carol havia se mudado para os Estados Unidos.
No aeroporto os rostos eram muitos. Pessoas altas, baixas, gordas, magras, loiras, morenas, ruivas, orientais, havia todo tipo de sangue e a miscigenação era espetacular. O que realmente deixava Carol feliz, ao ver tudo aquilo, era saber que estava em casa. Embora amasse a Califórnia, não havia nada como o Brasil, como sua casa, seu chão e o ar era diferente naquele lugar. Não importava o que falassem. Pessoas caminhavam e ela observava emocionada, quando alguém ao seu lado lhe deu um “click”, uma foto que deve ter registrado os olhos cheios de lágrima da atriz observadora. Era Anne.
Como de costume se cumprimentaram com um grito. Um grito abafado é verdade, mas um grito. Os olhos arregalados e os dedos das mãos, que estavam esticadas, mexendo-se freneticamente, como duas crianças bobas que cresceram assistindo Chiquititas. Se abraçaram e disseram um “amiga”, como se fosse fala ensaiada. Quem assistisse aquela cena com atenção veria que se conheciam há séculos e eram amigas inseparáveis, mas na verdade não se viam muito e o contato era quase que restrito ao digital, isso já havia muito tempo. Por isso, os encontros eram repletos de conversas sobre todas as coisas e passavam rápido demais para que se dessem ao trabalho de perdê-los discutindo, ainda que as opiniões sempre fossem mantidas (cada uma com a sua), gerando ainda mais assunto.
Anne foi para a casa de Carol com sua bolsa personalizada e sua roupa impecável, era como uma Blair Waldorf, imaculável. Na verdade, as duas eram mesmo patricinhas, mas nada mimadas, pois haviam conquistado tudo com esforço. Mas de que adiantaria dizer isso para quem via duas dondocas usando acessórios Louis Vuitton e entrando em uma limusine? Pois é, Carol fez questão de alugar uma para a semana com a amiga, pelo simples fato de que sairiam em uma daquelas noites e beberiam todas as taças de champagne possíveis e imagináveis, falando sobre homens, relacionamentos, sexo, tendências, livros e aquelas coisas todas que costumavam bater papo.
A amiga de Carol estava casada havia um ano, Carol era uma das madrinhas da noiva, deu a ela dois Trench Coat e mobilhou a sala de jantar, com prataria, castiçais e tudo mais que escolheu em uma viagem especial a Itália. Naquela ocasião, 50 também pretendia vir, no entanto, infelizmente, teve um contratempo e Carol veio sozinha, curtir a semana do casamento com a amiga. Foi uma das três ocasiões que se reviram durante o tempo que trabalhavam em países diferentes.
O assunto daquela semana, no entanto, não seria o casamento de Anne. Seria a tão sonhada noite com o Cabal.
-E aí amiga, me conta tudo, rolou alguma coisa? – elas estavam sentadas na área de piscina da casa de Carol, sob a tenda, com sorvetes de morango e chocolate.
-Um selinho.
-Um selinho? Só um selinho? – Anne estava indignada. – como assim?
-Ai amiga, eu não sei como te explicar, acontece que eu tracei a noite número 1 como encontro casual, entende?
-Não acredito que fez “planinho”. Você é louca Carol! – Anne se arrependeu de ter dito, ainda que tenha saído como em uma conversa natural, sentiu o sorvete cortar a garganta, mas ela continuou - Ou anda assistindo muito seriado americano. What the plane, now?
Carol pensou em explicar, mas se ela explicasse, ainda assim, não faria sentido. Só ela sabia o que significava encontrar aquele homem e estar com ele. Só ela entendia as pirações que criava em seu subconsciente, envolvendo letras, números, símbolos. Era como se sua vida estivesse traçada naquelas músicas, naqueles ritmos e poesias, e como se ela soubesse exatamente o que aconteceria, todas as vezes que olhava uma foto dele, ou assistia a um vídeo. Agora que conhecia o olhar dele e havia sentido o perfume forte e envolvente, tinha certeza do que faria. Era uma pena, mas esse detalhe não seria dividido com sua melhor amiga. Não simplesmente por falta de palavras, mas porque a ordem que as envolvia era muito maior.
Passaram a semana fazendo coisas de garotas: compras, shopping, música, livros, mais compras, conversas sobre moda, turismo, bebidas, homens, mais homens. Foi divertido. Anne observava a amiga a olhos estreitos, Carol nem via o tempo passar. Em breve chegaria o esperado show do reencontro e ela estaria lá, com ele.