Reinações Múltiplas: Sin bandera - parte 1
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Sin bandera - parte 1

­­­Parecia mais um dia normal. Sai de casa com a jaqueta de couro, a calça jeans preta, o par de botinas e o cabelo mal penteado. Coloquei o Ray Ban para disfarçar as olheiras da noite anterior e levei comigo pouco mais que a carteira contendo um par de notas de baixo valor, um cartão de crédito, a carteira de motorista e uma foto três por quatro.
Fixei-me em um sonho, avançando sem olhar nos olhos das pessoas, enquanto andava pela rua. Fazendo o que fosse, por fazer. Deixando minha mente em outro mundo, em outra conexão, existindo por existir. Respirando por respirar. Esperando, aficionadamente por uma mulher que poderia ser não mais que uma trapaça de minha mente. Um jogo do subconsciente.
Sentia pouco naquela manhã e confesso que não sei explicar direito, afinal, estive por tanto tempo esperando que aquele dia chegasse. Talvez nós nunca saibamos ao certo quando é que os sonhos se realizarão e por isso o máximo que pude fazer, ao longo da vida, foi planejar frustradamente um encontro que jamais, de fato, imaginei que ocorreria.
Quando planejamos esse tipo de acontecimento, ele tende a inexistir, fazer-se sóbrio, mostrando nossas cabeças loucas e botando nossos pés no chão. Ao decorrer dos anos estive sempre naquele café, com a mesma expressão, com os mesmos olhos, a mesma barba por fazer e o mesmo coração em ritmo ora acelerado, ora cretino e promíscuo. Eu era um amante, um bom perdedor, um homem sem rumo, porém, sobretudo, um apaixonado. Um romântico, boêmio e apaixonado. Mas minha paixão, meus caros, era egoísta.
No entanto, sofria calado, aceitando os regalos da vida, aproveitando de minha sorte. Perdendo mais por ser descarado do que por ser ruim no que fazia. O fato é que eu a esperava, mas nunca pensei que realmente fosse chegar.
Não sabia que existia um mundo como aquele. Eram sete e meia da manhã quando encontrei a luz que mudaria minha vida. Uma bendição, com certeza. Um ser iluminado e especial de estatura mediana e olhos castanhos. Minha surpresa não foi menor que a minha loucura.
Para ela. Minha vida inteira era para ela, e eu queria voar com aquele pássaro, descobrir o mundo ao lado dela. Senti que era um sonho e cheguei a pensar que estava dormindo. Sentia uma chuva de calor dentro de mim, como lágrimas quentes que escorriam pelo meu coração, levando em conta o sublime e a supremacia daquele momento.
Eu olhava, observava, sentia. A porta de vidro aberta, uma mesa e poltronas de almofada marrom. As mãos se moviam dóceis enlaçando a xícara; o sorriso era primaveril, embora lá fora o orvalho denunciasse a noite fria; os olhos que se fixaram em mim fizeram que as batidas em meu peito acelerassem, dando-me mil razões para entregar meu mundo a primeira vista.
O quão patético pode ser um homem apaixonado? Pois eu diria que todas as opções de desengano resolveram se apoderar de mim, naquele café, pouco antes das oito da manhã.
Aproximei-me e dexei que o sorriso escapasse, pois senti que seria minha, as fantasias e as eloquências se confundiam em meu âmago. Eu a vi chegar, vi que estaria a meu lado, tive a premunição do primeiro beijo e do amor que entregaríamos – ou talvez fosse a vontade de que tudo aquilo fosse real. Como seria pegar sua mão e dar um passo a seu lado? Dois turistas? Quantas fronteiras enfrentaríamos juntos? Quantas ruínas reconstruiríamos pedra por pedra?
Esperei que falasse, gostaria de ouvir sua voz. Ela pediu um cappuccino. Sentei-me como bobo a seu lado, hipnotizado com a moça, e pedi um expresso. Mesas separadas, olhares conjuntos. Um pedido tão simples poderia dizer tanto sobre nós? O cappuccino chegou.
Era tão natural que os lábios tocassem a xícara, que a bebida tocasse a boca e que a boca pudesse queimar minha pele de desejo, mesmo sem tocá-la.