Não havia relógios pendurados e o tique-taque era fruto de minha imaginação. No quarto, paredes brancas e uma estante com garrafas de bebida.
A toalha pendurada na porta sugeria um banho quente, assim como os cabelos rebeldes mostravam que já passava da meia-noite.
Me perguntei se descobriria de qual foto eu falava, quando dali há alguns meses a conversa fosse o primeiro poema que me inspirou.
Mas
não era um poema.
Era um depoimento de entrega.
Uma declaração, eu diria.
Declaro que busquei por você em todas as fotos, em todos os olhos, em todas as expressões mal feitas e não esclarecidas. Declaro que acabo de encontrar a imagem ideal daquilo que não tive, não fui e ainda sou.
Que busquei em olhos verdes e azuis, que chorei pelos pretos e marrons, e que vibrei nesse emaranhado de luz, que você leva nos buracos da cabeça.
Recordo que naquele momento, especificamente, esperava uma brecha no texto, onde pudesse introduzir a sensação que me dava aquele objeto singelo de vidro. Seria cristal? Teria custado mais que uma hora de trabalho? Queria saber quando a taça de vinho se tornaria o tema central... Mas se eu falasse da taça, pensei, seria fácil adivinhar.
Enquanto isso, a música do ordenador falava sobre querer um amor. Sobre não pensar e apenas entregar-se.
Pensei, naquele momento, em como uma taça de vinho poderia lhe envolver. Seria tão intensa quanto o amor? Pensei, então, em quantos poemas já haviam lhe escrito e quais deles teriam esse tom tão intenso e afetado.
Queria descobrir tantas coisa. Queria perguntar, imaginar, saber como se sente. Perguntar, buscar, mover. E tudo o que me vinha em mente era a taça...
Nada capenga, em um estilo que evitava ser poematizada, barrando a possibilidade de ser fruto de um poema. Querendo ser menos que singela. Querendo não passar de uma taça. Um brinde. A vida. Que passava nos seus olhos. Meio aberto e meio fechado, com a cabeça meio de lado. Com o sorriso, meio de esguilha. Sem pretensões, mas repleto de motivos.
Imaginei qual seria a cor do vinho na taça. Um vermelho vivo e vibrante? Suave e doce? Seco e suficientemente forte para te por na cama e fazer o pijama vestido ter algum sentido? Eu não fazia ideia.
Pensei, tocando a tela do ordenador, que talvez a alegria estivesse mascarada atrás daquela taça. Pensei que você ficaria ofendido com o comentário. E pensei, em seguida, que talvez você simplesmente sorrisse feliz pensando na filosofia que eu havia atribuído a uma foto em preto e branco, enviada pra alguém que desconheço.
Pensei que uma foto como aquela seria um excelente presente, afinal.
Pensei. Pensei tanto que, quando parei pra pensar, vi uma luz tão emocionante vinda de você, que se contrastava com o sorriso nos meus próprios lábios e com a chama da vela que rezava para que eu, por Deus, encontrasse seu amor. O amor contido naquela taça de vinho, naquele sorriso de canto, naquele olho fechado, naquela barba por fazer. Naquele que você talvez não visse. Naquele que se mostrava para mim. Para os meus olhos. Em uma tela que, aos poucos, ganhava vida. Ainda que eu, jamais, houvesse ouvido sequer uma palavra de ti.
Destino?
Escolha.
Obrigada pelo carinho que ainda não tenho. Pelo soluço de afeto que minha alma cansada lhe dedica. Pelo momento poético que acaba de me devolver. Pelo amor intenso e frustrado que ainda não recebi.
Se de nada valer, valeu pela inspiração.