Salve irmãos!
Gostaria de dividir meu depoimento sobre incorporação, devido ao assunto ter sido tema na última semana em nosso terreiro. Acredito que é bastante interessante quando dividimos nossas experiências e se vierem relatos de vocês, ficarei muito feliz.
É um texto extenso, porque é minha característica escrever com detalhes... mas é bacana.
No ano passado iniciei na gira, como médium, após um período bastante turbulento onde ficava absolutamente claro (para quem tinha prática) minha mediunidade de incorporação. Para mim, no entanto, não.
Eu vim de uma infância e adolescência evangélica e, em sequência, passada uma experiência que me desvinculou de qualquer crença ou fé em Deus, reiniciei minha fé com estudos sobre o paganismo, me centrando na Wicca, religião a qual acolhi, conhecida como a bruxaria.
Em casa, não havia oportunidades de práticas espirituais nesse sentido, magisticamente falando, mas eu possuia grande vontade e me envolvia como podia. Estudei conjuros, a religião em si, me envolvi com romances literários que tratavam do assunto e me aproximei de uma entidade que passou a me acompanhar.
Recebi o convite de ir ao Guerreiros e lá minhas emoções fluiram - de maneira geral. Passei a ver o terreiro como "um lugar onde eu, talvez, pudesse fazer magia". Minha intenção, nesse momento, não era, nem de longe, religiosa. Eu não conhecia os Sagrados Orixás, não fazia sentido nenhum para mim e não havia relação aparente entre o que eu sentia e o que eu vivia.
Por ser a entidade que me acompanhava absolutamente próxima a mim (graças a abertura que eu dei) não era possível, para mim, saber qual a diferença entre ela e eu; por esse motivo, naquele momento em que eu frequentava o terreiro como consulente, em minha cabeça a entidade era eu e eu era a entidade, não percebia que estava incorporada. Não havia, de minha parte, regras de incorporação e havia, por outro lado, o descontrole. Qualquer lugar era passível da "aparição" desta entidade e os tremores, pensamentos e ações não se distinguiam, nem distinguiam hora e local.
Isso se explica porque na Wicca eu era a bruxa. Ou seja, a magia vinha e era construída por mim e não pela entidade (semelhante com o que ocorre com os magos). Então eu não sabia que havia outro espírito vinculado a mim.
Quando recebi o convite para assistir as giras de Desenvolvimento, percebi como eram as conversas iniciais, a aproximação dos guias e a maneira como os médiuns incorporavam, tive alguma ideia do que poderia ser incorporação, mas até então eu imaginei que o processo fosse inconciente e jamais tive noção de que eu incorporaria (e de que já incorporava, sem Lei).
Ao entrar no terreiro, minha primeira reação foi continuar o que eu fazia na Wicca, não imaginei que a mudança fosse tão brusca. E a entidade que me acompanhava percebeu essa mudança também, pois ela não trabalhava para Umbanda, desencarnou como bruxa e trabalhava como bruxa no espiritual.
A partir das giras, dos desenvolvimentos e de diversas conversas com entidades (principalmente escutando o que vocês, meus irmãos, diziam, vendo o que faziam e como lidavam com o dia a dia no terreiro) me aproximei de minha própria noção de Evolução.
Voltando ao tema... Eu incorporei desde o primeiro dia de terreiro até o último. Nunca tive dificuldade de incorporar E ISSO ME DEIXOU MUITO INSEGURA, porque muitos diziam que não era fácil incorporar. Por que eu incorporava e os outros não?
Então ouvi aquela piadinha de que no início de Umbanda tinha gente que "incorporava até mosquito" e achei graça, porque, de fato, não importava o ponto, eu incorporava. Foi aí que eu comecei a pensar em porque eu incorporava.
Primeiro comecei a ler sobre incorporação e vi que é necessário que o guia baixe MUITO a vibração dele para que chegue até nós e que o ideal é estar o máximo que pudermos purificados. Eu queria isso. Queria que um guia se aproximasse e eu tivesse a sensação dele estar trabalhando comigo sendo o aparelho.
Eu entendia purificação como preceito e passei a fazer alguns preceitos maiores do que os habituais. Ao invés de 24 horas, fazia 48 horas, por exemplo.
Mudei minha alimentação e passei a comer mais verduras; tenho uma relação de amor muito forte com as plantas e para mim uma aproximação maior com Deus poderia se dar pela maior predominância delas em minha vida, então passei a comprar flores e deixá-las por perto.
Ouvi, naquela época, que uma irmã firmava o anjo e o guardião todo dia. Eu só firmava no terreiro. Resolvi copiar ela firmando todo dia e me preocupei em fazer orações todos os dias, antes de dormir. Também durante o dia, quando estivesse ouvindo uma música que eu gostasse, cozinhando, limpando a casa ou fazendo caminhadas/pegando o ônibus, resolvi que faria orações. Simplesmente me desliguei do material e me liguei ao que estava ao meu redor, considerando o que era divino.
Em geral, eu passei a valorizar mais o meu ambiente e, além de valorizar, fazer essas listas mentais e uma espécie de check in para cada uma delas (procurei a essência das Divindades, no dia a dia). Para cada ato divino em minha vida, uma marquinha de "vistagem". Pensei que assim a incorporação seria verdadeira, pois me sentia incorporando de mentira (sempre a mesma entidade, com pontos diferentes. Era frustrante).
Nesse período, eu não consegui observar transformações em mim ou na minha incorporação, porque foi tudo tão absolutamente natural que eu, simplesmente, seguia "incorporando mosquito" sem me dar conta.
Eu nunca questionei o que eu incorporava. Nunca perguntei "quem é você e o que faz aqui". Sempre levei em conta os ensinamentos no Desenvolvimento de "deixar passar, pois se ali estava era pela Lei". Estava decidida em confiar no que me ensinavam e confiar em quem me protegia.
A partir daí, incorporar se "tornou festa" e eu perdi o foco. Não havia questionamentos, como eu comentei e isso me fez ficar muito "soltinha" e, por sua vez, as entidades que trabalhavam comigo também.
Levando em conta que estou iniciando e que não é comum que as entidades de trabalho realmente se aproximem, mas enviem irmãos para trabalharem comigo e em mim, então o que eu chamo de entidade pode ser tanto um irmão que não foi batizado na Lei do Divino Criador quanto pode ser um que trabalha na Lei, porém, não é esse o fator que eu exploro aqui, mas o fato de eu ter dado liberdade demais para o momento de incorporação. Falha minha.
O que vinha em minha mente era "eu quero ajudar" e era isso que eu transmitia para os meus. Mas eu não tinha um "opa, daqui eu não ultrapasso, essa não é a minha função no terreiro" e levou tempo para perceber.
Quando o Seu João conversou comigo, em uma gira de Desenvolvimento, é que me dei conta. Primeiro porque ele não perde tempo, ele vem para trabalhar e o verbo também é trabalho, ou seja, se ele estava falando não era para entrar por um ouvido e sair pelo outro, era para eu refletir e MUDAR.
Naquela época, uma gira antes da conversa com ele, no meio do trabalho (que era forte, tinha um grau diferenciado de energia), eu havia incorporado (como sempre), mas a entidade que estava comigo (e que eu senti com uma diferença de energia desde a primeira vez que apareceu - aquela era a terceira vez que ele aparecia e eu percebia, pelo arquétipo e "força" na incorporação), aquela entidade agiu além da sua zona de trabalho (ou começou a agir) e bem na hora o Seu João, que não precisou falar nada, só olhou e fez um tipo de sinal, "cortando as asinhas" dele (e as minhas, por extensão).
Lembro que o sentimento foi de frustração, de tristeza e de raiva por "não poder ir além", não poder "mostrar o que fazia". Era um sinal do meu ego pensando que por eu me destacar em diversos sentidos da vida, seja pelo amor com que trabalho ou com o qual me dedico, merecia um degrau a mais. Pura ignorância de minha parte, mas eu não percebia porque estava no subconsciente. No caso: se eu fazia tudo na Lei, merecia bônus. Vai nessa...
Enfim, com a conversa da gira seguinte, aquilo passou e eu comecei a ler/ouvir mensagens sobre trabalho, porque eu queria saber o que era de fato o trabalho no terreiro. Eu pensava "o Seu João só desce pra trabalhar, o Pai Benedito nem se fala! O Sr. Zé do Trilho e a D. Mulambo, também. Então, como é que essa administração funciona?".
E foi no meio dessas reflexões que me veio em mente a mensagem da última gira do ano passado, que o Seu João deu. Ele disse: cada um terá uma função diferente no terreiro. E isso para mim é simbólico.
Se cada um tem uma função, não cabe a mim, ou aos meus, fazer algo que estieja fora de seu alcance e, em um trabalho, dar uma de "médium de frente" levando comigo o que não me pertence. Além de atrapalhar o trabalho dos outros, eu (e os meus) poderia estar assumindo um risco - o que só daria mais trabalho para as entidades do terreiro, que realmente possuem médiuns/guias com grau suficiente para assumir determinado tipo de trabalho.
Foi aí que eu fiquei com medo de incorporar. Eu não incorporava nada porque pensava que faria alguma coisa errada. Eu sentia a vibração e pensava que não era um guia e que eu estava me deixando levar (como havia feito antes) pelos sentimentos (naquele caso de querer ajudar).
Aí eu travei.
Foi com algum custo que eu passei a perceber que o que vinha faltando era uma conversa e aproximação com meus guias no exato momento de incorporação. Passei a pensar "faz sentido eu incorporar nesse exato momento? Será que eu não deveria esperar o ponto de Xangô? E se não tocar Xangô?", ou ainda, "os médiuns de frente e/ou mais antigos já incorporaram? Será que eles vão incorporar?" - porque me veio em mente que a ordem de incorporação e aproximação seria pelos canais mais propícios e preparados para isso. Um exemplo: se eu estou indisposta, tenho um carro e preciso que alguém o dirija para ir até determinado lugar, mas não conheço as pessoas que se dispuseram, vou escolher um voluntário sem habilitação ou um com habilitação? Então, pela lógica, eu que estou aprendendo a dirigir fico atrás, e saem na frente os que já sabem dirigir...O exemplo é piegas, mas a ideia é válida. E tem servido.
A princípio eu ouço os pontos, canto eles e - nos últimos tempos, tenho esperado que alguma entidade se aproxime e "chame" as minhas. Tem ocorrido com frequência e me dá maior segurança.
É claro que eu poderia deixar passar quando sinto alguma vibração, mas a insegurança ainda está indo embora e, até que ela vá, eu quero ter certeza de que não é um sentimento meu me deixando levar, mas sim um guia querendo trabalhar.
Não é que seja errado incorporar sentimentos, mas é que EU já fui prevenida e avisada de que essa fase, para mim, passou (como ficou claro na reflexão sobre o que o Seu João disse).
Concluindo, na semana anterior, quando alguns irmãos se sentiram pouco a vontade para dançar ou para se expor mais no momento de incorporar, ficando "acanhados" ou com insegurança (assim como eu tenho e acredito que muita gente tem), me veio em mente discutir como é que ocorre com vocês a incorporação.
Comigo no início era sutil, eu nem sabia que não era eu fazendo magia. Depois começou a ser um solavanco, eu sabia que não era eu, que eu precisava girar, andar ou sentar. Então começou uma fase de "ficar sem ação", perna travada, dor imensa em alguma região do corpo, braços moles e sem movimento, cabeça baixa e sem conseguir erguer. Dependia muito de qual era a ocasião.
E novamente veio algo mais sutil, que voltou (por sua vez) a não me dar certeza de se era eu ou a entidade... e foi aí que eu resolvi, na hora da incorporação, pensar em algo que não tinha nada a ver com o que estava ao meu redor - como uma técnica de meditação ou de fuga - pensei em momentos específicos como o pôr do sol, ou o nascer, a lua, ou o mar, ondas ou florestas, flechas ou estrelas, pedras ou cachoeiras, cores e, principalmente, me concentrei na letra do ponto... quase como se deixar hipnotizar... e isso é bem útil, porque você percebe que, pensando em algum elemento e não se concentrando no que o guia faz, ele continua fazendo independente de você... e pode ser que essa sintonia do pensamento em elementos seja algo que tem tudo a ver com o seu guia (mata = Oxóssi, estradas = Ogum), ou não. Vai depender do momento.
Nas incorporações de socorro, eu inicio sentindo que há uma mudança na energia do lugar, de modo geral; como quando tem intervalo e a gira muda de direita para esquerda, mas a energia do socorro nem sempre é tão densa, as vezes - comparando em cores, muda do branco para o cinza - névoa). Finaliza com a sensação de algum momento vivido. Algum momento de sofrimento, em geral. Esses sofredores passam energias muito próximas ao real, mas ainda assim há como controlar os pensamentos e, todas as vezes, eu iniciei um processo de ouvir o que meu irmão socorrista falava e usar, juntamente, meus melhores pensamentos e vibrações, para demonstrar esperança ao socorrido.
É uma sensação bem interessante e diferente.
Quando o irmão em questão está desvirtuado (debocha, tira sarro, é irônico, agressivo) é algo diferente. Parece que todos os seus monstrinhos saem para fora ao mesmo tempo e a sensação é muito real. De ódio, de cobiça, de vingança ou algo assim. Em geral, quando isso ocorreu comigo, havia logo em seguida uma sensação de arrependimento e tristeza absoluta.
Sempre que a incorporação termina, tento demonstrar que estou bem e que voltei ao normal, porque - de fato - evito que a sensação fique comigo e raramente ela ultrapassa o momento de incorporação. Quando ultrapassa é em forma de dor e na sensação de que eu poderia ficar incorporada mais umas duas horas com o mesmo espírito até ele ir embora. Mas, nessas horas, eu me concentro em descarregar a energia. Coincidentemente, quando isso acontece, o Sr. Jaci, geralmente, chama uma linha pra descarregar os médiuns logo em seguida... e a vibração muda da água pro vinho.